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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

"A Índia secular permite aos muçulmanos terem a sua lei"

Isabel Gorjão Santos, em Estrasburgo
In: Público, 22/12/08

Taslima Nasreen é uma mulher indignada com o fundamentalismo islâmico, com as violações dos direitos das mulheres muçulmanas, com o facto de alguns governos não enfrentarem essas questões para não perderem o voto das comunidades muçulmanas. Em 1994 o Parlamento Europeu atribuiu-lhe o Prémio Sakharov pela liberdade de pensamento e, esta semana, a escritora de família muçulmana esteve em Estrasburgo para a cerimónia dos 20 anos desta distinção, onde o PÚBLICO a entrevistou.
PÚBLICO - Tinha 13 anos quando publicou os primeiros poemas numa revista literária...
Taslima Nasreen - Um deles chama-se Free Bird (Pássaro Livre). Num país muçulmano, quando uma rapariga é adolescente não pode ir a lado nenhum. Tem de ficar em casa. Sempre senti que estava numa gaiola e queria sair, para ver outras coisas, mas não era possível. O poema era sobre querer ser livre.
Foi então que começou a pensar na defesa dos direitos humanos, e dos direitos das mulheres?
Nessa altura comecei a escrever poemas sobre as raparigas e as mulheres que sofriam. Mais tarde comecei a escrever artigos nos jornais sobre a opressão a que as mulheres são submetidas. No meu país, a cultura e os costumes funcionavam contra as mulheres.
Sente que, desde então, alguma coisa mudou?
A situação é pior agora, porque o fundamentalismo islâmico está a aumentar em todo o mundo, e também no meu país. Há mais mulheres a usar o véu, mais mulheres oprimidas, apedrejadas até à morte, vítimas de tráfico, violadas.
Que leitura faz dos ataques no mês passado, em Bombaim?
A Índia é um país alvo de terrorismo porque o fundamentalismo tem aumentado, e o Governo está a par dessa situação mas não tem tomado qualquer atitude. Se deixam criar milhares de madrassas (escolas corânicas), que são fábricas do fundamentalismo... Dêem às crianças uma educação secular. A Índia é um país secular, mas permite aos muçulmanos terem a sua própria lei. Isso só agrada aos fundamentalismos islâmicos na Índia, que até são considerados representantes da comunidade muçulmana naquele país. [Os governantes] querem garantir os votos das massas ignorantes, querem manter-se no poder, não pensam no progresso ou no desenvolvimento.
Viveu na Índia por não poder estar no seu país?
Vivi na Índia quatro anos mas fui expulsa porque os fundamentalistas islâmicos protestaram contra a minha presença. Foi um pesadelo porque inicialmente pensei que o Governo ficasse do meu lado e me apoiasse, mas não fez nada. Isso foi muito difícil. As portas do Bangladesh estavam fechadas e não podia voltar. Os dois países mandaram-me embora e agora estou na Europa.
Onde vive agora?
Em lado nenhum. É como se vivesse dentro da mala, porque as minhas coisas estão em Calcutá. Mas tenho de me instalar algures no Ocidente, não tenho alternativa.
Estudou Medicina, mas decidiu usar a escrita para lutar pelos direitos das mulheres. Porque deixou a medicina?
Eu escrevia e trabalhava num hospital público [o Medical College Hospital em Daca, no Bangladesh], mas o Governo forçou-me a deixar o emprego porque me pediu que deixasse de escrever. Se para ser médica tinha de deixar de escrever, então deixei o emprego como forma de protesto. Poderia ser muito feliz como médica, mas apenas se continuasse a escrever.
No ano passado esteve vários meses em Nova Deli, fechada numa casa. O que aconteceu nessa altura?
Foi o Governo indiano que me pôs nessa casa, e pediam-me todos os dias para deixar o país. Não tive a visita de um médico quando estive doente, como se tivessem criado uma espécie de câmara da morte para mim. Deram-me medicamentos errados quando estive doente, fizeram tudo o que não se imagina que um Governo democrático possa fazer. Houve ministros a pedirem-me: "Deixe o país".
E porque acha que fizeram isso? As manifestações contra a sua presença estavam a tornar-se incontroláveis?
Precisavam de agradar à comunidade muçulmana, por causa dos votos. E eu criticava-os. Todos os partidos políticos na Índia têm essa política de agradar à comunidade muçulmana.
As discriminações contra as mulheres, que descreve, são as que conheceu na Índia e no Bangladesh?
São as mesmas em todo o mundo muçulmano, e a Índia nem sequer é um país muçulmano. É basicamente a mesma situação. Os governos não devem permitir fundamentalismos no país que governam. Eu fui atacada por fundamentalistas, e a verdade é que nunca foram punidos.