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Cascatas da Namaacha: sete anos depois da seca

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A gestão Gil

Não se pode dizer que a gestão do compositor e cantor Gilberto Gil no Ministério da Cultura, durante os mais de cinco anos - e três tentativas de saída - em que lá permaneceu, tenha sido muito boa, ou muito ruim, assim como justo não seria atribuir-lhe a pecha de medíocre, algo incompatível, aliás, com a personalidade de um dos mais criativos artistas da música popular brasileira (MPB). É preciso dar à questão o enfoque correcto e condicionar a avaliação à expectativa que se poderia ter na actuação de um artista de grande popularidade na condução da política cultural do País.

Não se esperava - a começar pelo presidente Lula - que Gilberto Gil viesse a produzir uma política cultural de grande relevância, modificadora ou transformadora - no melhor sentido - da visão que a sociedade brasileira tem da Cultura e das Artes. Mas esperava-se que o governo "pegasse carona" no prestígio artístico e popular do compositor-cantor baiano, fazendo-o funcionar como uma espécie de garoto-propaganda artístico do País pelo mundo afora.

Foi para isso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o convidou para o Ministério, pouco depois de eleito pela primeira vez, pelo que somos levados a avaliar que a gestão Gil não se saiu mal. O ministro espalhou a descontração e a informalidade típicas dos brasileiros ao cantar, dançar e transformar cerimônias oficiais, em vários países, naqueles divertidos espectáculos improvisados que só o irreverente talento caboclo seria capaz de produzir. Neste aspecto, nem são cabíveis as críticas feitas ao ministro, quanto ao facto de ele preocupar-se mais com os seus shows internacionais do que com os compromissos burocráticos de governo, pois Gilberto Gil, no governo, apenas se dedicou a fazer mais o que sabe fazer melhor - e foi assim que deu visibilidade à sua Pasta ministerial, como, certamente, se previa quando da sua nomeação. Deixemos à liberdade poética do artista da MPB o cálculo sobre o porcentual da sua dedicação ao governo e à carreira artística - 80% a um, 20% à outra? Tanto faz, pois, Gilberto Gil estivesse no Brasil ou no exterior, fazendo seus shows, da gestão dos assuntos burocráticos - e não apenas deles - do Ministério da Cultura incumbiu-se quem nunca foi artista: o sociólogo Juca Ferreira.

Importa mais registar o que houve de mais positivo e de mais negativo. O mais negativo, diga-se desde já, foi a desastrada proposta, em agosto de 2004, de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), visando a regular as actividades no cinema e na televisão. Não houve como deixar de ver, na iniciativa, uma tentativa de interferência na liberdade de criação dos profissionais dessas áreas - o que resultou no arquivamento que o presidente Lula fez da idéia. Também se critica a gestão Gil por não ter cumprido a promessa, que fizera, de reformulação da Lei Rouanet, de estimulo à produção cultural. Mas a verdade é que, como já foi dito, não se esperava do artista qualquer renovação estrutural da política cultural do País. Os produtores de espectáculos teatrais e de outras áreas reclamaram muito da excessiva morosidade da tramitação dos projectos incentivados pela Lei Rouanet no Ministério da Cultura e suas comissões.

Menos reclamação fizeram os produtores de cinema, visto que os incentivos audiovisuais funcionaram melhor - haja vista à boa produção da indústria cinematográfica brasileira nos últimos anos. Também positivos na gestão Gil foram os justamente chamados "Pontos de Cultura", dedicados às novas mídias e facilitadores de acesso à internet - que hoje chegam a 733 instalações, espalhadas por várias regiões do País. Sob o ponto de vista estritamente político, não se pode dizer que tenha faltado habilidade a um quadro do Partido Verde que se tornou um dos quatro ministros, de todos os empossados no início do mandato do presidente Lula, que permaneceram até agora. Isso não significa, porém, que estará firme no cargo, em definitivo, o sucessor que o ministro demissionário se incumbiu de anunciar - o seu braço direito Juca Ferreira. Pode ser que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados tenham planos diferentes para o Ministério da Cultura.

Jorge Amado

Por: Leda Tenório da Motta

Para o Brasil bem-pensante, Jorge Amado nunca foi tema. Trata-se de um objecto não pensado. Panfletário, folclórico, populista, estereotipado, melodramático, inverossímil, comercial e, no mau sentido, socialista, coloquialista, carnavalesco, assim o tem visto todo o nosso scholarship. A muitas vozes, e trazendo à baila a geração de 30 e seu expoente máximo - Graciliano Ramos -, entoa-se que ele está aquém de tudo o que de melhor saiu das vertentes modernistas, em matéria de romances. De todo lado, vem a acusação de que passou distraído pelos verdadeiros problemas de uma sociedade brasileira extremamente injusta, que representou como alegremente ecumênica e sincrética. A tudo isso, uma crítica feita por mulheres, já com um pé nas questões de gênero, acrescentará, desde os anos 70, a pecha de machista e sexista.
Trata-se de uma monotonia quebrada, às vezes, por caprichos classificatórios que mais confirmam que derrubam esse tipo de discurso e o veto, na verdade liminar, que ele traz consigo. Assim, alguns salvaguardam uma segunda fase amadiana - para lançar na roda esse qualificativo ousado -, menos propagandística e mais satírica, de que o turning point seria Gabriela Cravo e Canela. Enquanto outros, sem deixar de notar o apelo fácil e o patético de segunda ordem, admitem certa passagem de uma visão lírica pitoresca da nossa realidade para melhores perspectivas dos conflitos sociais que nos caracterizam. Uma coisa invalidando a outra, como se vê. De tal sorte que só encontraremos algo diverso nas vozes discordantes de sempre. Aqui, um crítico-poeta que evolui à margem da universidade, como José Paulo Paes, por exemplo, não por acaso, o autor de um dos posfácios providenciados para um dos três volumes das obras completas do escritor já disponíveis, suficientemente atrevido para vir opinar, de além-túmulo, que Gabriela Cravo e Canela é "um quadro de tessitura polifônica dos mais bem logrados, de que se pode orgulhar a prosa de ficção no Brasil". Acolá, um boca-do-inferno como Haroldo de Campos, que veio a público, em 2001, por ocasião da morte de Jorge Amado, declarar que o falecido era dono de uma enorme imaginação fabular, e que traços metafóricos de cunho lírico percorriam e davam graça aos seus textos. Ambos precedidos nessa sua idiossincrasia por Sérgio Buarque de Holanda, que, pedagógico como sempre, num dos artigos hoje recolhidos nas páginas de O Espírito e a Letra, nos fala de uma força poética, justamente lírica, não prejudicada pela identificação emotiva desse sentimental nostálgico com o Lumpenproletariat dos morros e das areias baianas.
Mas quem se aprofundar na história dessa fortuna crítica descobrirá um tópico ainda mais demolidor que todos os anteriores, porque mais técnico. Em quase 80 anos de recepção aversiva, todos ou quase todos são levados a referir o escritor a Graciliano. E a inferir desse comparatismo obrigatório o regionalista menor, o sub-Graciliano. É por esse parâmetro, principalmente, que se mede Jorge Amado. Em dois sentidos complementares. Em termos de estilo, contrapõe-se a crispação, a secura, a economia de meios de um às abundâncias, fluências, molezas, malemolências do outro. Em termos temáticos, o pessimismo, o fundo sombrio de um, menos pactuado com um obreirismo de programa, ao partidarismo cheio de fé no progresso social do outro.
Disparados dos mais prestigiosos departamentos da universidade brasileira, esses são veredictos que saem, por isso mesmo, de uma tradição crítica forjada no interior do marxismo e dos rigores adornianos. Estamos a falar daquele método crítico que, com maior ou menor felicidade nos resultados, entrelaça forma literária e forma social, pautando-se por buscar em tudo o estigma da história, o álibi ideológico escondido. Daquela escola que viu nas experimentações das vanguardas brasileiras tardias - concretismo, tropicalismo, desdobramentos locais do pós-moderno - um atestado do atraso nacional, uma subserviência ao modelo estrangeiro, uma "idéia fora do lugar". O que não a impediu de também ver numa escritura neutra, transparente, directa como a de Jorge Amado, na sua maneira de integrar a língua comum, no seu suposto não-estilo, a reiteração de um lugar-comum - somos mestiços, sensuais, desencanados - e, neste caso, idéias por demais no lugar. Idéias saídas da pregação da mistura feliz das raças e das diferenças, respeitosas demais do preconceito nacional para serem respeitáveis.
Diante de tudo isso, e dado o recente desencadeamento da edição das obras completas de Jorge Amado por uma das mais prestigiosas editoras brasileiras, a boa pergunta é: estaria em curso no País em que a "revisão" virou gênero, de tanto que tivemos revisões críticas ao longo da segunda metade do século passado, uma revisão de Jorge Amado? Será que, com a colecção de 35 títulos actualmente em fase de preparação começamos a "compreender", principalmente no sentido forte da palavra - conter, abranger, incluir -, a obra em questão? A tirá-la do sequestro? A dar-lhe direito de cidade?Se fosse verdade, os comentários inseridos no final dos belos volumes que nos chegam - com uma farta iconografia, reproduções de manuscritos, fotos do escritor, com o seu physique du role, porém modesto aparato crítico, orelhas anônimas, ausência de notas, posfácios em vez de apresentações - talvez não tivessem que ser assinados por um morto - José Paulo Paes - e dois estrangeiros - José Saramago e o jornalista português Miguel Sousa Tavares. Nem teriam o tom de tributo que têm - mesmo no caso do texto infinitamente superior de José Paulo Paes, que não padece da bonomia insípida que valeu a Saramago o prêmio Nobel -, mas seriam estudos ou ensaios. Ainda temos mais de 30 volumes pela frente. Será que vem aí gente saída do establishment acadêmico local para reforçar o trabalho?
Mas a pergunta talvez mais importante seja outra. Será que a arte de Jorge Amado suporta uma revisão crítica? Haveria, de facto, algo a descobrir ou redescobrir?
Ajudada por todos aqueles que enalteceram o contador de histórias, e mesmo por aquelas novas gerações, geralmente unicampineiras, menos adornianas e menos indignadas, que, hoje em dia, admitem o history teller, embora notando que ele não resolve bem as intrigas que arma, arrisco aqui alguns palpites críticos.

OBRA DO ESCRITOR SERÁ RELANÇADA ATÉ 2012, ANO DE SEU CENTENÁRIOREEDIÇÃO:

Até 2012, quando será comemorado o centenário de nascimento de Jorge Amado, a Companhia das Letras deve lançar novas edições de todos os seus livros. A promessa faz parte do plano de relançamento que garantiu à editora os direitos de edição da obra, leiloados pela família no ano passado. Os volumes ganharam novos posfácios assinados por escritores e críticos como Roberto DaMatta, Milton Hatoum, Ana Maria Machado, Mia Couto, Affonso Romano de Sant?Anna, José Paulo Paes e José Saramago, entre outros. A primeira leva, lançada em março, tinha Dona Flor e Seus Dois Maridos, Capitães da Areia, Mar Morto, A Morte e A Morte de Quincas Berro D?Água, Tocaia Grande e o infantil A Bola e o Goleiro. Acabam de ser lançados A Descoberta da América pelos Turcos, Gabriela Cravo e Canela e Terras do Sem-fim. Ainda este ano, devem ser lançados Hora da Guerra, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, Tenda dos Milagres, O Capitão-de-Longo-Curso, Jubiabá e O Milagre dos Pássaros.