Por: Edmundo Galiza Matos
Aos dois colegas coloquei na “mesa de negociações” duas modalidades de pagamento para o servicinho que lhes acabara de propôr: a um, sessões diárias de copos, durante um mês, em qualquer espelunca do Alto-Maé; ao outro, o desembolso, daí a alguns dias, de 150 mil meticais (hoje 150,00 Mt). Era pegar ou largar, disse-lhes, qual empresario empedernido, embora não passasse de um eterno “tchonado”.
No primeiro caso, o compromisso era fácil de honrar já que, embora “patrão”, participaria das sessões de copos; já no segundo acerto, a coisa era bem mais complicada, uma vez que 150 paus na altura era muita mola e não seria de ânimo leve que se abriria a carteira, coisa alias que não utilizava porque desnecessária para um indigente financeiro.
O António Egídio, homem até hoje dado à vida boêmia e o que ela proporciona a espíritos divertidos como só o dele, nem sequer retincenciou. Foi um fácil “tudo bem brother” e, antes mesmo do arregaçar das mangas, logo na primeira oportunidade desviou-me para o “Galo Verde”, com passagem pelo “Machado” e “Coutinho”, donde saimos já de madrugada a balbuciar qualquer coisa parecida com o mandarim do mais puro.
A Ângela Chin, a quem prometera os 150, até hoje, volvidos quase 12 anos, cobra-me a dívida. Debalde. Não porque não os tenha, mas mais por embaraço perante aquela “charlatinice” que ela, muito divertida, a conta como mais um episódio dos muitos de que a RM é prenhe.
Assim, entre copos de cerveja e uma dívida não liquidada, nasce o “Matolinhas”.Equipe Técnica: Ângela, Locutora/Monitora; Egídio, Sonorizador/Monitor. Os imberbes Bambia Jr, Mito Chongo e o Mundinho, presunçosamente se auto-designaram de Produtores, Realizadores e Repórteres e tantos outros adjectivos que … enfim.
A 9 de Junho de 1996 o “Matolinhas Zero” é registado em fita magnética, depois de sessenta dias de preparação e cinco horas de gravação e regravações para um produto final de uma hora. Foi um trabalhão pô… O Egídio e a Chin maldiziam a sua sorte e, acredito, proferiam nas minhas costas e nas dos “putos” os mais desbocados impropérios, só não romperam o contrato porque a amizade que nos unia (e nos une) valia o sacrifício.
Um ou dois meses depois acontece o “desmame” e a produção, edição e apresentação do “Matolinhas” é entregue aos que, durante os anos subsequentes, foram mantendo, melhorando e aperfeiçoando o programa. Um lapso de tempo que me foi particularmente penoso e simultaneamente gratificante, durante o qual não raras vezes perdia as estribeiras perante o ânimo leve com que o Bambia Jr, o Mito Chongo e o Mundinho se desinvencilhavam para produzirem e manter o programa e, acima de tudo, fazer com que não falhasse no dia e hora marcada: sábado, 8 horas.
O meu maior receio foi que o Izidine Faquirá – Director da Rádio Cidade que autorizou a existência do programa – se decidisse pela sua eliminação da grelha de programas se falhas houvessem. Uma possibilidade feita naturalmente um pesadelo que me atormentava sobretudo às vésperas do dia e hora da sua transmissão. Mas o projecto sobreviveu até aos dias de hoje, felizmente.
Felizmente? Ora, não é tanto assim porque duas tragédias se nos atravessaram no caminho para que o Lázaro Bamo e seus colaboradores continuassem hoje a missão a que o “Matolinhas” se propôs desde a primeira hora. Uma das tragédias teve lugar antes do nascimento do programa, outra dois anos depois.
A primeira, quiça a mais determinante, foi a morte trágica e prematura em março de 1994 do irmão mais velho do Mundinho, Deodato de seu nome.
O abalo, como é natural, foi enorme: a progenitora do falecido e do Mundinho caiu num estado de depressão profundo agravado pela crescente e sombria perspectiva de o grupo de amigos (Mito Chongo, Bambia Jr, Mundinho e tantos outros do bairro) se desmembrasse, tanto mais que alguns já só viam a Africa do Sul como o El Dorado para darem qualquer que fosse o rumo às suas vidas.
Ela, Julieta Dimande, é “despachada” para Londres para refrescar a cabeça não sem antes de partir me arrancar a ferro e fogo a promessa de ficar a resolver o bicudo problema da desorientação dos miudos que deixava para trás.
Que fazer e como numa situação destas? Aparentemente nada. Perante um sentimento de impotência e confusão mental, a fuga às minhas responsabilidades foi a mais fácil e leviana saída que encontrei: solteirão “Ad-Hoc”, a segunda morada eram a Pastelaria Irmâos Unidos, o Centro Social do Partido, o Escondidinho do John e as miseráveis barracas circundantes do então descrépito Cinema/700.
A “Gang”? se cabe aqui nomea-la, aí vai, porque da pesada: os falecidos Benfica e Mondlane e o Monteiro, Ranito, Madau, a minha pessoa e… confesso-o hoje, um ou dois pares de pitas chulas e dadas mais à bebida do que ao sexo.
É neste ambiente, com a mente turbinada pelo fumo dos cigarros mata-rato e sob os efeitos do alcóol, conversas desconexas de boêmios maduros que … Eureka: descubro a fôrmula com a qual iria resolver o imbróglio que se me colocava e sufocava. Vomitada a cerveja, a boca amarga de tanta bita fumada e cheirando intensamente a lúpulo, madrugada adentro, desperto o Mundinho e “ouve-lá, não queres fazer um programa na Rádio Cidade”? O resto é o que todos sabemos.
Portanto assim nasceu e desenvolveu até hoje o nosso programa: os copos com o António Egídio, a dívida à Ângela Chin – que exijo seja exaurida por quem, não quero saber – e, no percurso, a morte daquele que deu a sua voz nos primeiros programas, o Bambia Jr, “que Deus o tenha em conta”, dizemos todos.
Passados todos estes anos que cenários temos? Bom, o primeiro, que a malta não só não “furou a rede” a caminho do desconhecido como temos o engenheiro Palmeirim Chongo (já não o Mito) e um (falam os guerrilheiros macondes) “Camá Chefe" Galiza Matos Jr feito parlamentar e, especula-se, candidato a empresário no ramo da comunicação social.
Finalmente, a passagem do testemunho, algo que foi acontecendo com toda a naturalidade ao longo do percurso, está agora nas mãos do Lázaro Bamo, que deve entregar o bastão (Nduku) do poder aos mais jovens porque tem outros desafios, mais digitalizados, como “Matolão” que é. Mas sempre na perspectiva de que o trabalho nos dignifica e dele extraimos os mais sublimes ensinamentos para a vida.
E se a esta premisa, feita conselho, juntarmos o ditos (quase pagãos) inscritos no vidro traseiro do Chikorokoro Senhor Engenheiro Palmeirim, então a Bíblia não podia ser tão certeira: "Vai, pois, come com alegria teu pão e bebe, com bom coração, o teu vinho, pois já DEUS se agrada das tuas obras". Eclesiastes 9, Versiculos 7 a 10