(Estas fotografias foram captadas no "Sítio" Galiza Matos, aldeia de Germantine, sete quilométros da vila da Namaacha, em maio de 2009. Na de cima vê-se o fogo a devorar uma latrina e na de baixo atacando o ananaseiro: cerca de quinhentas plantas foram queimadas)
Por Edmundo Galiza Matos
O fenómeno das alterações climáticas e os seus efeitos a nível global já não constitui um assunto tratado por muitos como dizendo respeito apenas aos especialistas ou como sendo mais um dos modismos que, com o tempo, se eclipsará das suas pautas e das manchetes dos media. O mal – porque é disso que efectivamente se trata – começou a “mexer” com a vida de todos e, no caso de Moçambique, com a dos milhões de camponeses que têm nos recursos naturais o seu meio de sobrevivência.
Muito recentemente veio a público a informação que nos dava conta que, dada a sua localização geográfica, Moçambique é dos países que mais sofrerão de catástrofes naturais – ciclones, cheias, secas – como resultado dos estragos causados pela acção do homem sobre a natureza. Aliás, um estudioso português vaticina mesmo a possibilidade de o nosso pais vir a ser palco, nos próximos dez anos, de chuvas “diluvianas”, tão ou mais devastadoras que as que vivemos nos primeiros anos deste século, sobretudo na região sul. Com a diferença de que a “torneira” não estará aberta por dias, mas por algumas poucas horas, duas ou três vezes, com uma precipitação superior a um de um ano inteiro. Que Deus nos livre e nos guarde ...
O dilema com que nos deparamos é: se já nos demos conta do facto, de que estamos a espera para agir e assim, com base num programa tão vulgar como o de plantar uma árvore, evitar que o problema se agigante e ganhe contornos tais que já não haverá mais nada a fazer?
Que programa mais será necessário elaborar se muitos já existem, perguntarão os que estão ligados ao assunto. Outros, como eu, preocupados, retorquirão que se tais “planos de acção” estão definidos e em execução, algo então está a emperrar a sua visibilidade e os resultados práticos que deles se almejam atingir. Senão, não se compreende como é que as queimadas descontroladas continuem a devastar milhares e milhares de hectares de matas, danificando seriamente o ecossistema e atirando para a atmosféra o dióxido de carbono? E que dizer da subida da invasão das aguas do mar sobre as vilas de Mecufi, em Cabo Delgado e Machanga em Sofala, só para citar dois exemplos que testemunhei não faz um ano?
No rol dos estragos mais visíveis que as alterações climáticas estão a desencadear em Moçambique – e sempre com conhecimento de causa – não deixaria de apontar o caso da vila fronteiriça da Namaacha cujo clima era por muitos procurado e, até, recomendado para enfermos necessitados de “ares menos inócuos” como os que se vivem nos grandes aglomerados populacionais. Pergunte-se aos habituais peregrinos ao Santuário da Nossa Senhora da Namaacha se as temperaturas que se fizeram sentir durante a romaria deste ano de alguma forma se aproximaram das que se experimentavam em anos anteriores. Não, em absoluto. Por mentiroso passará aquele que se lembre de dizer que em tempos que a memória já não guarda os termómetros, entre Abril e Julho, desciam abaixo do zero e que a agua canalizada não jorrava das torneiras porque a tubagem era obstruída pelo líquido solidificado.
Desde 2000 que divido a minha vida entre a cidade da Matola e a vila da Namaacha e desde então acompanho o desenvolvimento inexorável das mutações no clima daquela região fronteiriça e a inacção das autoridades para estancar ou pelo menos minimizar os perniciosos atentados contra a natureza praticados pelo homem, nomeadamente, queimadas (muitas atiçadas por pura malvadez) e desmatação desenfreada para fabrico de carvão vegetal.
Como consequência óbvia deste estado de coisas temos que o saco de carvão passou de 60,00 meticais em 2001 para 200,00 meticais presentemente. Mais: o Vondo, um roedor que vive de tubérculos e o coelho, para não falar de outras espécies animais como a gazela, o cabrito do mato ou o javali, que os caçadores da zona vendiam ao desbarato aos que circulavam de Maputo até a fronteira com a Swazilândia, “pisgaram” para não se sabem onde. Pior do que isso são as cobras (Mamba e Surucucú) que, acoitadas pelas chamas do fogo posto, procuram abrigo em lugares mais seguros: junto das aldeias, para desespero dos seus habitantes. Uma manta ou uma almofada, mesmo que retalhadas, sempre são mais confortáveis que o inferno de uma vegetação a crepitar pela acção das chamas.
Mais dramática ainda é a gritante falta de agua, tanto para consumo humano quanto para a lavoura dos campos e beberagem do gado. A gravidade do problema é tal que, recordemo-nos, as autoridades se viram obrigadas nos primeiros meses deste ano a mobilizar camiões-cisternas para, a partir do rio Umbeluzi, satisfazer as necessidades de populações sedentas de vários pontos da Namaacha. Numa situação destas a agricultura familiar ressentiu-se e em consequência instalaram-se bolsas de fome que até hoje teimam em açoitar as populações da região.
Não é necessário ser-se especialista para concluir que esta situação tem a sua verdadeira origem na anormalidade com que as chuvas têm caído nos últimos anos. Que as queimadas descontroladas e a desmatação para o fabrico de combustíveis lenhosos simplesmente descontrolaram o ciclo natural das chuvas. Que na falta destas os lençóis freáticos minguaram de tal azar que, a título de exemplo, as famosas cascatas da Namaacha não passam hoje de rochas nuas e gretadas por um sol cada ano mais inclemente.
Chegados aqui, nada mais natural e legítimo do que se procurar saber onde estarão as autoridades, locais, distritais, provinciais e centrais, e que é feito dos planos de mitigação deste bicudo problema? Sem querer ser algum juiz em causa que não lhe diz respeito, atrevo-me porém a pensar que pouco ou quase nada está a ser feito para, em primeiro lugar, massificar toda a informação relativa a gravidade da situação e das causas que estão na base do imbróglio.
Mais grave ainda é a inacção e até a cumplicidade que se instalou entre os líderes e comunidades, elas próprias “agentes materiais do crime”, que, conhecedoras dos desmandos dos chamados carvoeiros e dos piromaníacos, simplesmente não agem. Para ser mais explícito, atrever-me-ei a afirmar que aqueles que deviam impor a ordem, desde a base ao topo, nada fazem, ao jeito de quem não quer meter o “bedelho” nos negócios dos outros para que ninguém se meta nos seus negócios. De outra forma, não se compreende como é que um ateador da queimada continue a viver tranquilamente ao lado do líder da sua comunidade ou como é que o controle dos fiscais florestais não se faz sentir, com todo o peso da sua autoridade, perante o desfile de centenas de camiões que entram diariamente nas cidades transportando lenha e carvão cujo corte e queima não foi autorizado.
Já lá vai o tempo em que a autoridade dos líderes se impunha, cujas decisões, sempre tomadas depois de ouvidas as sensibilidades locais, viravam lei e todos as cumpriam. Desconhecida é hoje a enorme influência que os aciãos exerciam sobre as acções das gerações mais novas. A falta de referências nas comunidades já se instalou e o resultado é a anarquia total, a tal ponto que não é segredo a prática de venda de terras a troco de uns míseros e efémeros milhares de meticais, uns tantos garrafões de “vinho para pretos”, capulanas e frangos. O Presidente da República, numa das presidências abertas na Inhaca, pronunciou-se sobre este fenómeno e as coisas continuam a desenrolar-se normalmente.
Está então visto que o que faz falta é o peso da autoridade, a complacência com a desordem que instalou, em consequência, a ideia segundo a qual o atropelo às leis é um “modus vivendi” ao alcance de todos, ricos e pobres.
Há que pôr cobro a este estado de coisas sob pena de a nossa falta de autoridade hoje nos desautorizar no futuro. Aí, acredite-se, será o nosso suicídio como pais. Tenho dito.
Por Edmundo Galiza Matos
O fenómeno das alterações climáticas e os seus efeitos a nível global já não constitui um assunto tratado por muitos como dizendo respeito apenas aos especialistas ou como sendo mais um dos modismos que, com o tempo, se eclipsará das suas pautas e das manchetes dos media. O mal – porque é disso que efectivamente se trata – começou a “mexer” com a vida de todos e, no caso de Moçambique, com a dos milhões de camponeses que têm nos recursos naturais o seu meio de sobrevivência.
Muito recentemente veio a público a informação que nos dava conta que, dada a sua localização geográfica, Moçambique é dos países que mais sofrerão de catástrofes naturais – ciclones, cheias, secas – como resultado dos estragos causados pela acção do homem sobre a natureza. Aliás, um estudioso português vaticina mesmo a possibilidade de o nosso pais vir a ser palco, nos próximos dez anos, de chuvas “diluvianas”, tão ou mais devastadoras que as que vivemos nos primeiros anos deste século, sobretudo na região sul. Com a diferença de que a “torneira” não estará aberta por dias, mas por algumas poucas horas, duas ou três vezes, com uma precipitação superior a um de um ano inteiro. Que Deus nos livre e nos guarde ...
O dilema com que nos deparamos é: se já nos demos conta do facto, de que estamos a espera para agir e assim, com base num programa tão vulgar como o de plantar uma árvore, evitar que o problema se agigante e ganhe contornos tais que já não haverá mais nada a fazer?
Que programa mais será necessário elaborar se muitos já existem, perguntarão os que estão ligados ao assunto. Outros, como eu, preocupados, retorquirão que se tais “planos de acção” estão definidos e em execução, algo então está a emperrar a sua visibilidade e os resultados práticos que deles se almejam atingir. Senão, não se compreende como é que as queimadas descontroladas continuem a devastar milhares e milhares de hectares de matas, danificando seriamente o ecossistema e atirando para a atmosféra o dióxido de carbono? E que dizer da subida da invasão das aguas do mar sobre as vilas de Mecufi, em Cabo Delgado e Machanga em Sofala, só para citar dois exemplos que testemunhei não faz um ano?
No rol dos estragos mais visíveis que as alterações climáticas estão a desencadear em Moçambique – e sempre com conhecimento de causa – não deixaria de apontar o caso da vila fronteiriça da Namaacha cujo clima era por muitos procurado e, até, recomendado para enfermos necessitados de “ares menos inócuos” como os que se vivem nos grandes aglomerados populacionais. Pergunte-se aos habituais peregrinos ao Santuário da Nossa Senhora da Namaacha se as temperaturas que se fizeram sentir durante a romaria deste ano de alguma forma se aproximaram das que se experimentavam em anos anteriores. Não, em absoluto. Por mentiroso passará aquele que se lembre de dizer que em tempos que a memória já não guarda os termómetros, entre Abril e Julho, desciam abaixo do zero e que a agua canalizada não jorrava das torneiras porque a tubagem era obstruída pelo líquido solidificado.
Desde 2000 que divido a minha vida entre a cidade da Matola e a vila da Namaacha e desde então acompanho o desenvolvimento inexorável das mutações no clima daquela região fronteiriça e a inacção das autoridades para estancar ou pelo menos minimizar os perniciosos atentados contra a natureza praticados pelo homem, nomeadamente, queimadas (muitas atiçadas por pura malvadez) e desmatação desenfreada para fabrico de carvão vegetal.
Como consequência óbvia deste estado de coisas temos que o saco de carvão passou de 60,00 meticais em 2001 para 200,00 meticais presentemente. Mais: o Vondo, um roedor que vive de tubérculos e o coelho, para não falar de outras espécies animais como a gazela, o cabrito do mato ou o javali, que os caçadores da zona vendiam ao desbarato aos que circulavam de Maputo até a fronteira com a Swazilândia, “pisgaram” para não se sabem onde. Pior do que isso são as cobras (Mamba e Surucucú) que, acoitadas pelas chamas do fogo posto, procuram abrigo em lugares mais seguros: junto das aldeias, para desespero dos seus habitantes. Uma manta ou uma almofada, mesmo que retalhadas, sempre são mais confortáveis que o inferno de uma vegetação a crepitar pela acção das chamas.
Mais dramática ainda é a gritante falta de agua, tanto para consumo humano quanto para a lavoura dos campos e beberagem do gado. A gravidade do problema é tal que, recordemo-nos, as autoridades se viram obrigadas nos primeiros meses deste ano a mobilizar camiões-cisternas para, a partir do rio Umbeluzi, satisfazer as necessidades de populações sedentas de vários pontos da Namaacha. Numa situação destas a agricultura familiar ressentiu-se e em consequência instalaram-se bolsas de fome que até hoje teimam em açoitar as populações da região.
Não é necessário ser-se especialista para concluir que esta situação tem a sua verdadeira origem na anormalidade com que as chuvas têm caído nos últimos anos. Que as queimadas descontroladas e a desmatação para o fabrico de combustíveis lenhosos simplesmente descontrolaram o ciclo natural das chuvas. Que na falta destas os lençóis freáticos minguaram de tal azar que, a título de exemplo, as famosas cascatas da Namaacha não passam hoje de rochas nuas e gretadas por um sol cada ano mais inclemente.
Chegados aqui, nada mais natural e legítimo do que se procurar saber onde estarão as autoridades, locais, distritais, provinciais e centrais, e que é feito dos planos de mitigação deste bicudo problema? Sem querer ser algum juiz em causa que não lhe diz respeito, atrevo-me porém a pensar que pouco ou quase nada está a ser feito para, em primeiro lugar, massificar toda a informação relativa a gravidade da situação e das causas que estão na base do imbróglio.
Mais grave ainda é a inacção e até a cumplicidade que se instalou entre os líderes e comunidades, elas próprias “agentes materiais do crime”, que, conhecedoras dos desmandos dos chamados carvoeiros e dos piromaníacos, simplesmente não agem. Para ser mais explícito, atrever-me-ei a afirmar que aqueles que deviam impor a ordem, desde a base ao topo, nada fazem, ao jeito de quem não quer meter o “bedelho” nos negócios dos outros para que ninguém se meta nos seus negócios. De outra forma, não se compreende como é que um ateador da queimada continue a viver tranquilamente ao lado do líder da sua comunidade ou como é que o controle dos fiscais florestais não se faz sentir, com todo o peso da sua autoridade, perante o desfile de centenas de camiões que entram diariamente nas cidades transportando lenha e carvão cujo corte e queima não foi autorizado.
Já lá vai o tempo em que a autoridade dos líderes se impunha, cujas decisões, sempre tomadas depois de ouvidas as sensibilidades locais, viravam lei e todos as cumpriam. Desconhecida é hoje a enorme influência que os aciãos exerciam sobre as acções das gerações mais novas. A falta de referências nas comunidades já se instalou e o resultado é a anarquia total, a tal ponto que não é segredo a prática de venda de terras a troco de uns míseros e efémeros milhares de meticais, uns tantos garrafões de “vinho para pretos”, capulanas e frangos. O Presidente da República, numa das presidências abertas na Inhaca, pronunciou-se sobre este fenómeno e as coisas continuam a desenrolar-se normalmente.
Está então visto que o que faz falta é o peso da autoridade, a complacência com a desordem que instalou, em consequência, a ideia segundo a qual o atropelo às leis é um “modus vivendi” ao alcance de todos, ricos e pobres.
Há que pôr cobro a este estado de coisas sob pena de a nossa falta de autoridade hoje nos desautorizar no futuro. Aí, acredite-se, será o nosso suicídio como pais. Tenho dito.