Por: Norman Gall (*)
O mundo está fascinado por um jovem americano de origem híbrida que aparece de repente no cenário político para postular, com audácia e muita habilidade, sua candidatura à presidência dos Estados Unidos, com grande possibilidade de ganhar. Barack Obama tem conduzido uma campanha tecnicamente brilhante nas primárias do Partido Democrata, com uma capacidade de mobilizar recursos financeiros sem precedentes, principalmente em pequenas contribuições pela internet. Os seus discursos são de rara eloquência e carregados de conteúdo emocional de redenção da sociedade americana, sem referências específicas ao que ele faria se eleito presidente.O seu refrão, "Change" ("Mudança"), é tão pouco original que é utilizado por qualquer candidato insurgente contra a situação em qualquer pleito eleitoral em qualquer país democrático do mundo. O seu outro refrão - unificar a sociedade acima dos pleitos partidários - lembra o lema de campanha do presidente Richard Nixon em 1968, "Bring us Together" ("Junte-nos Todos"), e da campanha eleitoral em 2000 do actual presidente George W. Bush, que pregou "Unir e não Dividir".
Assim, não temos a menor idéia do que faria Barack Obama se eleito presidente. Ainda que a técnica e a organização da sua campanha sejam brilhantes, Obama cuida-se para falar pouco da substância. Sabemos pouco dos seus assessores em questões de políticas públicas e os que conhecemos têm-se destacado pela sua mediocridade.
É difícil montar uma nova administração americana, com uns 3 mil cargos executivos para preencher e muitos pretendentes. No início do seu governo, o presidente Bill Clinton (1993- 2000) demorou um ano para montar a sua equipe. A economia americana já estava a sair da recessão.
O novo governo dos Estados Unidos, que tomará posse em janeiro de 2009, não terá tanto tempo para tomar providências urgentes. Os Estados Unidos começam a sofrer tanto recessão como inflação, que aparentemente se espalha pelo mundo. Também sofre de déficits grandes em conta corrente que os obrigam a fazer empréstimos de países superavitários, principalmente da China, de outros países asiáticos e dos exportadores de petróleo do Médio Médio - o que se pode revelar insustentável em curto espaço de tempo. Também a escalada do preço de óleo do crud para acima de US$130 por barril, duplicado no último ano, não pode ser absorvida pelos países consumidores sem mudanças nas suas estruturas econômicas. Além disso, as crescentes pressões a favor do proteccionismo comercial exigem uma definição rápida.
Como se desenvolverá este político de grande talento diante das decisões que precisará tomar? Vale ler o seu extraordinário livro Dreams from My Father (A Origem dos Meus Sonhos), que acaba de ser publicado em português. Este livro, escrito num estilo fino e preciso e com profunda introspecção, fez de Obama um multimilionário pelas regalias que recebeu, e conquistou para ele muitos fãs e partidários. Foi encomendado por um editor após sua eleição como presidente da revista da Escola de Direito da Universidade Harvard, uma honra sem precedentes para um jovem negro. A sagacidade e sensibilidade humana das suas observações no livro, tanto da sua infância na Indonésia e no Havaí quanto da sua juventude como organizador de projectos sociais nos guetos negros de Chicago, fizeram-me lembrar a autobiografia clássica de Benjamin Franklin, escrita há mais de 200 anos.
Com todas essas qualidades, Obama retrata no livro um problema de identidade ainda pendente que o conduziu à relação infeliz com o seu pastor por 20 anos, Jeremiah Wright, cujos sermões racistas custaram muito a Obama nas eleições primárias contra Hillary Clinton. O episódio do pastor colocou a questão racial nas manchetes do pleito eleitoral.
A grande favorita no começo da campanha, Hillary, utilizou ressentimentos racistas para fortalecer o apoio a ela entre os brancos pobres nas primárias dos Estados de Ohio, Pensilvânia, Indiana e West Virginia, nutrindo dúvidas sobre se essa faixa do eleitorado votaria contra Obama e a favor do seu adversário republicano, o senador John McCain, quando os americanos escolherem o seu presidente, definitivamente, em novembro.
É duvidoso que isso venha a acontecer de forma decisiva na eleição geral. Os Estados Unidos vêm mudando, no sentido de um repúdio geral ao racismo, repúdio que cresce quando o racismo é confrontado. Além disso, a senadora Hillary Clinton, se tiver negada a sua candidatura, como parece provável, seria obrigada a fazer campanha activa a favor de Obama para garantir o seu próprio futuro político e não ser encostada nas trevas da derrota e do ressentimento, de que seria difícil escapar.
Para evitar essa sorte Hillary seria obrigada a fazer campanha a favor de Obama nos Estados onde ela ganhou, em apoio à causa da justiça social, que tem sido a viga-mestra da política do Partido Democrata nos últimos 70 anos, desde o New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt. Após a Grande Depressão da década de 1930, Roosevelt chegou ao poder, em 1933, com propostas tão vagas como as de Obama hoje. O que ele transmitia era a imagem de carisma e carácter que Obama tenta transmitir hoje. Se eleito presidente, o Obama desconhecido vai passar por sua prova de identidade.(X)
(*) É director-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial