Tive o ensejo e a felicidade de conhecê-lo pessoalmente mas, para minha infelicidade, morria pouco depois. Da longa conversa que tivemos, em Xai-Xai, aquando do lançamento das primeiras emissões autónomas da Rádio Moçambique na província de Gaza, ficou-me a sensação de que Eusébio Johane Tamele não terá sido apenas “mais um”, ou seja, mais um intérprete da canção ligeira moçambicana, mas também um homem com ideias e convicções próprias.
Eusébio Johane Tamele deu-me a ler excertos de um manuscrito de sua lavra no qual relata as suas memórias e alguns registos histórico-políticos das suas vivências. Fiquei impressionado com a riqueza do material ali registado mas, e porque se tratava de um primeiro contacto com o homem, ainda me ficou algum cepticismo. A dúvida, porém, havia de ser dissipada quando, no decurso das comemorações dos 40 anos da morte de Mateus Sansão Muthema, em Chikhumbane, ouvimos uma evocação referir, a certa altura, que Eusébio Johane Tamele foi parceiro e confidente político daquele nacionalista da Frente de Libertação de Moçambique. Hoje, aqui e agora, se calhar também rendemos homenagem a um escritor, e não somente a um grande trovador.
Abordando agora a sua vertente musical, aquela em que Eusébio Joohane Tamele ficou mais conhecido.
Hoje, muitas décadas depois, não tenho dúvidas de que o homem não se desvia um único milímetro do traço musical da sua terra natal, embora não resistamos à tentação de o classificarmos em termos mais universais, o iremos fazer de seguida.
Socorrendo-me do modesto conhecimento que tenho sobre a literatura da especialidade, não vejo como não colocar Eusébio Johane Tamele, ou Zeburani como era popularmente chamado, no rol daqueles intérpretes que usam a sátira como elemento básico nas suas composições. A sátira, representada pelas conhecidas "cantigas de escárnio e de mal dizer", encontramo-la com frequência nas letras de Zeburani, que as recria com rara beleza e, buscadas do vasto cancioneiro satírico de que Chibuto, é muito rico.
Nas composições de Zeburani, tal como acontece com os intérpretes deste género musical, já não é o sarcasmo que predomina, mas antes a nota graciosa e leve, ditada pela ironia, que nem por isso deixa de ferir algumas susceptibilidades.
Para nós, Zeburani fá-lo com muita delicadeza, não abdicando da sua função social e correctiva. Por exemplo, na canção "Tshunela Seyo", Zeburani deixa um pouco a sátira de lado para entrar no domínio do humorismo. É um jogral entre marido e esposa, com esta a advertir o parceiro a não se aproximar de si, porque tem o filho doente. E depois...
Bem, e depois a mulher não cede à sedução, e o homem procura, pela aldeia adentro, quem lhe possa "comer limão"...
Não acabo esta abordagem à música de Eusébio Johane Tamele, ou melhor Zeburani, sem antes colocar na mesa mais uma pergunta pretensiosa.
Quem gosta da música blues, sabe que este estilo musical se caldeou e sedimentou a partir de vários estilos musicais europeus e africanos levados para as Américas pelos colonizadores e pelos respectivos escravos.
"Bava A Nga Pswalanga", é provavelmente o tema mais conhecido de Eusébio Johane Tamele. Considero esta canção um blues na sua forma mais pura ou, mais precisamente, um folk blues que, como se sabe, é uma das raízes deste estilo musical que se desenvolveu nos Estados Unidos da América.
Numa espécie de tira-teimas, comparemos "Bava A Nga Pswalanga", do nosso Zeburani, com o tema "Cocaine" interpretado, na sua forma original, pelo nova-iorquino Dave Van Ronk e tornado porém famoso, nos anos 70, pelo guitarrista e bluesman britânico Eric Clapton.
Com o mesmo propósito comparativo existem nas respectivas produções discográficas um tema interpretado por Otis Ray Redding, Jr., um blues do delta do Mississipi executado por Mississipi John Hurt, e um blues da savana de Chibuto (Gaza, sul de Moçambique) intitulado "Bava a Nga Pswalanga" de Eusébio Johane Tamele, ou melhor, de Zeburani.
Se por ventura escutar as trés propostas, o leitor que tire as suas conclusões, sendo que a nossa é de que Zeburani, sim, foi um bluesman.
(*) Texto de Autoria de Luís Loforte, adoptado do Programa radiofónico “Clube dos Entas” transmitido na Rádio Moçambique, Antena Nacional, na frequência FM 92.3: Quinta-feira (22H05) e Segunda-feira (02H05). O programa é produzido e apresentado por Edmundo Galiza Matos, com créditos técnicos de Nassurdine Adamo.