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Cascatas da Namaacha: sete anos depois da seca

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Jorge Amado

Por: Leda Tenório da Motta

Para o Brasil bem-pensante, Jorge Amado nunca foi tema. Trata-se de um objecto não pensado. Panfletário, folclórico, populista, estereotipado, melodramático, inverossímil, comercial e, no mau sentido, socialista, coloquialista, carnavalesco, assim o tem visto todo o nosso scholarship. A muitas vozes, e trazendo à baila a geração de 30 e seu expoente máximo - Graciliano Ramos -, entoa-se que ele está aquém de tudo o que de melhor saiu das vertentes modernistas, em matéria de romances. De todo lado, vem a acusação de que passou distraído pelos verdadeiros problemas de uma sociedade brasileira extremamente injusta, que representou como alegremente ecumênica e sincrética. A tudo isso, uma crítica feita por mulheres, já com um pé nas questões de gênero, acrescentará, desde os anos 70, a pecha de machista e sexista.
Trata-se de uma monotonia quebrada, às vezes, por caprichos classificatórios que mais confirmam que derrubam esse tipo de discurso e o veto, na verdade liminar, que ele traz consigo. Assim, alguns salvaguardam uma segunda fase amadiana - para lançar na roda esse qualificativo ousado -, menos propagandística e mais satírica, de que o turning point seria Gabriela Cravo e Canela. Enquanto outros, sem deixar de notar o apelo fácil e o patético de segunda ordem, admitem certa passagem de uma visão lírica pitoresca da nossa realidade para melhores perspectivas dos conflitos sociais que nos caracterizam. Uma coisa invalidando a outra, como se vê. De tal sorte que só encontraremos algo diverso nas vozes discordantes de sempre. Aqui, um crítico-poeta que evolui à margem da universidade, como José Paulo Paes, por exemplo, não por acaso, o autor de um dos posfácios providenciados para um dos três volumes das obras completas do escritor já disponíveis, suficientemente atrevido para vir opinar, de além-túmulo, que Gabriela Cravo e Canela é "um quadro de tessitura polifônica dos mais bem logrados, de que se pode orgulhar a prosa de ficção no Brasil". Acolá, um boca-do-inferno como Haroldo de Campos, que veio a público, em 2001, por ocasião da morte de Jorge Amado, declarar que o falecido era dono de uma enorme imaginação fabular, e que traços metafóricos de cunho lírico percorriam e davam graça aos seus textos. Ambos precedidos nessa sua idiossincrasia por Sérgio Buarque de Holanda, que, pedagógico como sempre, num dos artigos hoje recolhidos nas páginas de O Espírito e a Letra, nos fala de uma força poética, justamente lírica, não prejudicada pela identificação emotiva desse sentimental nostálgico com o Lumpenproletariat dos morros e das areias baianas.
Mas quem se aprofundar na história dessa fortuna crítica descobrirá um tópico ainda mais demolidor que todos os anteriores, porque mais técnico. Em quase 80 anos de recepção aversiva, todos ou quase todos são levados a referir o escritor a Graciliano. E a inferir desse comparatismo obrigatório o regionalista menor, o sub-Graciliano. É por esse parâmetro, principalmente, que se mede Jorge Amado. Em dois sentidos complementares. Em termos de estilo, contrapõe-se a crispação, a secura, a economia de meios de um às abundâncias, fluências, molezas, malemolências do outro. Em termos temáticos, o pessimismo, o fundo sombrio de um, menos pactuado com um obreirismo de programa, ao partidarismo cheio de fé no progresso social do outro.
Disparados dos mais prestigiosos departamentos da universidade brasileira, esses são veredictos que saem, por isso mesmo, de uma tradição crítica forjada no interior do marxismo e dos rigores adornianos. Estamos a falar daquele método crítico que, com maior ou menor felicidade nos resultados, entrelaça forma literária e forma social, pautando-se por buscar em tudo o estigma da história, o álibi ideológico escondido. Daquela escola que viu nas experimentações das vanguardas brasileiras tardias - concretismo, tropicalismo, desdobramentos locais do pós-moderno - um atestado do atraso nacional, uma subserviência ao modelo estrangeiro, uma "idéia fora do lugar". O que não a impediu de também ver numa escritura neutra, transparente, directa como a de Jorge Amado, na sua maneira de integrar a língua comum, no seu suposto não-estilo, a reiteração de um lugar-comum - somos mestiços, sensuais, desencanados - e, neste caso, idéias por demais no lugar. Idéias saídas da pregação da mistura feliz das raças e das diferenças, respeitosas demais do preconceito nacional para serem respeitáveis.
Diante de tudo isso, e dado o recente desencadeamento da edição das obras completas de Jorge Amado por uma das mais prestigiosas editoras brasileiras, a boa pergunta é: estaria em curso no País em que a "revisão" virou gênero, de tanto que tivemos revisões críticas ao longo da segunda metade do século passado, uma revisão de Jorge Amado? Será que, com a colecção de 35 títulos actualmente em fase de preparação começamos a "compreender", principalmente no sentido forte da palavra - conter, abranger, incluir -, a obra em questão? A tirá-la do sequestro? A dar-lhe direito de cidade?Se fosse verdade, os comentários inseridos no final dos belos volumes que nos chegam - com uma farta iconografia, reproduções de manuscritos, fotos do escritor, com o seu physique du role, porém modesto aparato crítico, orelhas anônimas, ausência de notas, posfácios em vez de apresentações - talvez não tivessem que ser assinados por um morto - José Paulo Paes - e dois estrangeiros - José Saramago e o jornalista português Miguel Sousa Tavares. Nem teriam o tom de tributo que têm - mesmo no caso do texto infinitamente superior de José Paulo Paes, que não padece da bonomia insípida que valeu a Saramago o prêmio Nobel -, mas seriam estudos ou ensaios. Ainda temos mais de 30 volumes pela frente. Será que vem aí gente saída do establishment acadêmico local para reforçar o trabalho?
Mas a pergunta talvez mais importante seja outra. Será que a arte de Jorge Amado suporta uma revisão crítica? Haveria, de facto, algo a descobrir ou redescobrir?
Ajudada por todos aqueles que enalteceram o contador de histórias, e mesmo por aquelas novas gerações, geralmente unicampineiras, menos adornianas e menos indignadas, que, hoje em dia, admitem o history teller, embora notando que ele não resolve bem as intrigas que arma, arrisco aqui alguns palpites críticos.

OBRA DO ESCRITOR SERÁ RELANÇADA ATÉ 2012, ANO DE SEU CENTENÁRIOREEDIÇÃO:

Até 2012, quando será comemorado o centenário de nascimento de Jorge Amado, a Companhia das Letras deve lançar novas edições de todos os seus livros. A promessa faz parte do plano de relançamento que garantiu à editora os direitos de edição da obra, leiloados pela família no ano passado. Os volumes ganharam novos posfácios assinados por escritores e críticos como Roberto DaMatta, Milton Hatoum, Ana Maria Machado, Mia Couto, Affonso Romano de Sant?Anna, José Paulo Paes e José Saramago, entre outros. A primeira leva, lançada em março, tinha Dona Flor e Seus Dois Maridos, Capitães da Areia, Mar Morto, A Morte e A Morte de Quincas Berro D?Água, Tocaia Grande e o infantil A Bola e o Goleiro. Acabam de ser lançados A Descoberta da América pelos Turcos, Gabriela Cravo e Canela e Terras do Sem-fim. Ainda este ano, devem ser lançados Hora da Guerra, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, Tenda dos Milagres, O Capitão-de-Longo-Curso, Jubiabá e O Milagre dos Pássaros.

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