Pelo mundo fora


contador gratis

Cascatas da Namaacha: sete anos depois da seca

segunda-feira, 31 de março de 2008

Xinderi de Primeirissíma

Trés instrumentos mexem com a minha sensibilidade musical – o Bandolim, o Banjo e a Cítara. Todos eles de cordas.
Não significa isso que os acordes da viola acústica, o piano ou a flauta ou outros instrumentos não tenham esse dom de agradar qualquer ouvido minimamente educado para absorver a boniteza de quaisquer que sejam os sons: o duelo entre namorados de Xiricos preparando-se para o acasalmento ou o coaxar bem sincopado de uma “orquestra” de rãs tendo como palco uma lagoa no silêncio audível de uma noite molhada – tudo isso faz-me bem a alma. É como que um tónico.
Mas é do Banjo, da Cítara e sobretudo do Bandolim que me proponho escrever, depois de, numa madruagada em que o sono vinha e ia, ter escutado perplexo numa dessas populistas rádios algumas músicas nas quais os executantes utilizavam aqueles instrumentos.
Do Bandolim, e tanto quanto a memória me permite recordar, mantive o primeiro contacto através do “Moda Xicavalo”, uma lendária música de Fany Mpfumo e Francisco Mahecuane gravada em finais dos anos 50 na África do Sul e bastas vezes passada na Hora Nativa do Rádio Clube de Moçambique. Servia para o fecho da emissão diária.
Encerrada que foi a Hora Nativa com a nacionalização do RCM e consequente criação em 1975 da actual Rádio Moçambique, o bandolim de Fany e sua “Moda Xicavalo” se não desapareceram, no mínimo deixaram de serem dedilhados ou cantados pelos seus executantes, inclusive pelo próprio “Rei da Marrabenta”.
Porquê esse sumisso de tão pequeno/grande instrumento? Eis uma pergunta sobre a qual não tenho uma resposta plausível embora, no plano da especulação, possa pensar que tanto o Fany como outros seus discíplos o tenham preterido optando pela guitarra eléctrica. Até porque dá para perceber pela raridade, mesmo pelo mundo fora, de agrupamentos musicais que utilizavam o Bandolim.
Desde então, por aí 1975/76, o Bandolim foi remetido ao silêncio até que ... o acaso, sempre o acaso.
De microfone em riste e com pressa de “arrancar” uma entrevista ao Raúl Domingos – em 1992 – deparo-me com dois homens, um dos quais desinteressadamente tirava uns sons que, pela sua raridade, me aguçaram a curiosidade. Foi aí que fiquei a saber que o instrumento sobre o qual escrevo era de madeira julgo que prensada e com oito cordas.
O executante na circunstância era o Ernesto Zevo (Ximanganine para os amigos) na companhia daquele que daí viria a saber ser Abílio Manldaze, entretanto já falecido.
A entrevista a Raúl Domingos não se realizou simplesmente porque o Zevo e o Mandlaze foram por mim enfiados à força no Estúdio Teatro e... minutos depois veio à luz do dia aquela música que na parada do Ngoma de 1993 se tornaria a a Canção Mais Popular: “Juro Palavra D´honra, vou Morrer Assim”.
Refira-se, contudo, que a popularidade do “Juro ...” começa com a radiodifusão, no “Onda Matinal” hoje “Jornal da Manhã”, do tosco registo em cassete normal feito por mim, até atingir o clímax depois de o Roberto Aúze lhe dar a versão tecnicamente mais apurada, mas não tão original que aquela por mim registada. Passe a petulância. De resto não o pode ser quando me dizem hoje, volvidos 15 anos, que até o “Izi Jazz” Izidine Faquirá figura na ficha técnica da música como executante da bateria programada “Rolland”.
Entretanto só me dou verdadeiramente conta da popularidade do “Juro...” numa noite escura como breu em plena baía de Inhambane quando toco a cassete com a conversa e a música do Zevo e Mandlaze. Os dois ou trés marinheiros que nos transportavam, a mim e à minha mulher e filhos, a meio do trajecto Inhambane/Maxixe, acto contínuo, param a a barcaça e desligam o motor. Sem nenhuma explicação.
O silêncio da noite, importunado apenas pelo bater das ondas no casco do vaso e dos acordes do bandolim que saíam do gravador, pareceu-me que tiveram o condão de transportar aqueles velhos lobos do mar para um tempo que viveram intensamente, certamente já diluído nas suas memórias, qual espuma salgada das aguas do mar.
Depois de religiosamente escutarem a música e a entrevista e informados de quem eu era e que parte da minha infância tinha sido também envenenada pelos sons que saíam dos “His Master Voice” numa aldeola chamada Matacalane não muito distante dali, os homens nada disseram, manobraram o barco e já na corcomida ponte cais da Maxixe é que um deles, meneando a cabeça, balbuciou qualquer coisa como isto: Singu Wonega, ou seja “dá para perceber”. E mais não abriram a boca.
Onde está o primeiro registo magnético do “Juro Palavra D´honra, Vou Morrer Assim”? Nem eu o posso afirmar, nem a minha mulher e filhos, embora algo me diga que a cassete foi parar, por oferta minha, às mãos de um ancião da aldeola que de forma insistente mo pedira enquanto lá estivera em gozo de férias.
E a cópia feita para a radiodifusão? Essa, sei eu, teve o mesmo destino que muita relíquia sonora tem na Rádio Moçambique – simplesmente desgravada porque na RM a cultura de arquivar não existe. Incluo-me, embora por vezes o acaso...
Não fosse a crónica falta de meios de trabalho na Rádio Moçambique um registo de suma importância para a história da música moçambicana ter-se-ia irremediavelmente perdido: à cata de uma fita magnética e depois de muito suar, acho uma com evidentes sinais de que há muito não era manejada, tanta era a poeira que a envolvia.
O impulso normal de a desmagnetizar felizmente cedeu perante a curiosidade de ouvir o que eventualmente lá estivesse registado: a primeira e exclusiva entrevista que Fany Mpfumo, acabadinho de regressar da Africa do Sul, concedeu a Gulamo Khan. Em 1974.
Esta relíquia do melhor executante do Bandolim está arquivada na Fitateca da Rádio Moçambique. Para quem está interessado na história da nossa música.
Enfim ... perante tanta mediocridade que vivemos no expectro musical em Moçambique, apetece-me afogar-me num gericam de Xinderi da primeirissíma, cantando “Juro Palavra D´honra, Vou Morrer Assim”.
E então? Será que, desaparecido o “Rei” Fany Mpfumo só nos resta apenas um executante do Bandolim? O Ernesto Zevo ainda me disse “parece-me que o Hortêncio Langa dá uns toques, não sei”.
E os outros instrumentos?
Em Moçambique, tanto quanto sei, não temos executantes do Banjo e da Cítara, muito embora existam alguns aficionados pela Country Music e pela obra do indiano Ravi Shankar.
Ambos os instrumentos são originários de mundos diametralmente opostos, geográfica e culturalmente: o primeiro da Irlanda e muito popularizado nos EUA e o segundo da Índia.
Com alguma semelhança com o Bandolim, o Banjo “põe-me nas nuvens” desde que numa alucinante noite do longíquo ano de 1974 assisto um filme – muito estranho, é preciso que se diga – que tem por título original “Deliverance” (Fim de Semana Alucinante em português) realizado em 1972 por John Boorman e estrelado por Jon Voigth e Burt Reynolds.
A tenra idade que não permitiu então ajuizar a finalidade última da obra, não evitou que ficasse como que petrificado no banco do Cinema Pemba perante o “Dueling Banjos” corporizado por um miúdo cego de cabelos eriçados, aliás o melhor que há do Bluegrass Music gravado por Eric Weissberg no Banjo e Steve Mandel no Violão.
Sons enigmáticos tanto quanto o era o Anvar Abdulatifo saem da Cítara, esse instrumento que, não sei porquê, me parece muito feio, no entanto tão bonito quando manejado por Ravi Shankar.
O Anvar era, a seu tempo, a minha referência em matéria de música de vanguarda, consubstanciada nas emissões que realizava como locutor no Emissor Regional de Cabo Delgado (ou Porto Amélia), cujo raio de acção terminava lá para as bandas de Mahate e, à noite, em Mecufi.
Forçado então a ter que escutar os sons dedilhados com mestria por Shankar, esperando que o admirável locutor passasse trechos dos Jimi Hendrix e Page, que é o que a malta gramava, o ouvido foi se acostumando à Cítara, gosto ainda mais acentuado quando em finais dos anos 70 me vem ter às mãos – já como sucessor do Anvar – uma gravação do Woodstok, esse festival que lançou Ravi Shankar para o mundo, ao lado de nomes como Jimi Hendrix e Janis Joplin.

1 comentário:

  1. caro galiza! muito interessante a tua cronica, nao seria interessante criar uma parceria entre a radio e o arquivo historico (e porque nao ARPAC) para ver se consegue-se salvar tanto material que anda nos arquivos da radio. e sei que a falta de recursos financeiro podera ser o grande problema, mas a rifa rm nao podia servir para essas coisas do ineteresse publico?

    ResponderEliminar