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sexta-feira, 28 de março de 2008

Vamos Roubar para Ler

Considero-me um leitor voraz e sempre sedento de livros.
Diria mesmo que sou um “maníaco” da leitura.
Da boa literatura, entenda-se.
Tudo que seja papel garatujado, mesmo que em linguas e caracteres estranhos, é motivo para aguçar a minha curiosidade, ainda que nada de lá tire algo de proveitoso: é que o simples acto de decifrar e tentar entender o que se escreve é motivo mais que suficiente para meu deleite.
O leitor que está debruçado sobre estas minhas confissões, poderá concluir que pertenço a uma espécie em vias de extinção. Um “fóssil” até.
Não, não sou.
Aceito sim ser uma das poucas excepções no mundo dos milhares de moçambicanos, minimamente letrados, que não gostam de folhear um livro e dele extrair experiências e ensinamentos para a vida.
No actual debate sobre o gosto (ou a falta dele) pela leitura entre nós, a constatação comunemente aceite pelos analistas terá como causa primária o difícil acesso ao livro ditado pelos proibitivos preços praticados pelas livrarias; ou então o descuido dos pais e educadores no estimular as pessoas – sobretudo os jovens – na prática do acto de ler como meio para se formarem cultural e cientificamente.
Outros atiram as culpas para este estado de coisas aos ditames do mundo do telemóvel, da comunicação fútil e ... da busca doentia da fama.
Numa coisa estamos todos de acordo: o livro é caro. Poucos são aqueles que têm posses para o ter à mão. Mas também, a mediocridade das vidas de muitos é mais que evidente.
Contudo interrogo-me:
Desde quando o livro foi barato em Moçambique, tanto no período colonial como agora?
Quantos dos que hoje lamentam esta realidade tiveram acesso fácil ao livro mas mesmo assim liam e muito?
Os que tiveram o privilégio de entrar numa livraria e de lá sair com um livro, contam-se pelos dedos da mão. A grande maioria, dentre ela eu, nem sequer tinha dinheiro para comprar uma sebenta quanto mais um livro.
Contudo lia até à exaustão, “vício” que até hoje, orgulho-me, se me “grudou” e dele não não me desfasço.
E como fazia então para ler, perguntar-me-ão.
A resposta é tão simples como isto: roubando. É isso mesmo, ROUBANDO LIVROS.
Hoje, para satisfazer o vício, não roubo, surripio.
A minha saga de Ladrão de Livros – não de Bicicletas – começa nos primeiros anos da minha adolescência na Livraria Sotil em Porto Amélia (Pemba): tal como o viciado pelas drogas pesadas que inicia a sua “carreira” não raras vezes “puxando” um inofensivo charro de suruma, este “leitor militante” iniciou-se na literatice, roubando e lendo os livros aos quadradinhos: Matt Marriot, Mandrak, Fantasma, Bill The Kidd; ou então os livrinhos de bolso de famosos Cow Boys “Revolver 45”, “Sete Balas”.
Uma incursão minha a uma livraria, tendo como “guarda-costas” os irmãos Tique (João, César e Sérgio) resultava sempre num prejuízo considerável para a “Sotil”. Calças e camisas desmedidamente largas para a minha estatura eram o suficiente para acondicionar mais do que uma dezena de livrinhos.
A senhora do balcão – que nós julgavamos uma pera doce – até se dava ares de despercebida com o atrevimento da miudagem e lá deixava-nos sair com o produto do crime. Até um dia ...
Com o passar do tempo, o produto do “roubo” começou a ser mais volumoso e valioso, o que acarretava metódos mais complexos para me furtar à vigilância da balconista, portuguesa é preciso que se diga, mas, lá ia saindo com uma ou duas obras para surpresa dos meus cúmplices: O Irving Wallace e outros da mesma turma eram então os nossos preferidos.
Até que a situação começou a “cheirar mal” para o dono da livraria que, perante os prejuízos passou a estar de olho, primeiro na própria empregada do balcão e depois para este “ladrão de Livros” que todos os dias entrava e saía do estabelecimento de mãos a abanar mas estranhamente com a barriguinha saliente.
O hábito tornou-se rotina, de tal sorte que o ladrão de livros começou a exceder-se até que um dia foi surpreendido, não só com a prova do crime, mas com uma obra considerada então subversiva que não fazia parte do espólio da livraria.
Apanhado e interrogado que foi, o meliante vai parar à esquadra da então PSP (polícia de segurança pública portuguesa) e dali para a famigerada PIDE, a secreta colonial.
O agente, a princípio relutante em interrogar um miúdo que de subversivo nada tinha, só o fez quando informado que o “puto” era tão “turra” como o mais destemido dos macondes. O livro dizia tudo.
“A Mãe”, de Máximo Gorki, ainda por cima com capa de um vermelho escuro, era mais que suficiente para me julgarem o mais perigoso dos contestários de então em Porto Amélia. Coitado de mim, que de política ainda era “virgem”.
Com o ar mais macambuzio deste mundo, mas apercebendo-me da gravidade da situação, inventei a esfarrapada mentira de que o tinha achado numa lata de lixo lá para as bandas do Batalhão 14, em cujo seio existiam oficiais do exército colonial português desterrados de Portugal para a colónia em virtude das suas ideias revolucionárias.
Ficaram-me com o livro e saí de lá com os ouvidos a doridos devido a duas bem dadas chapadas do Pidesco.
Quem ficou a perder: o Renato Carrilho ou simplesmente Gunnas que, por qualquer motivo, me havia pedido que entregasse a maldita “Mãe” a um dos seus amigos, de que não me recordo o nome. Era o “correio” dos mais velhos que habilmente, faziam circular literatura entre eles.
Porque as “confissões” já vão longas, fica-me o seguinte conselho para quem gosta de ler mas que não o faz porque não tem possibilidades para comprar o mais barato dos livros: uma vez por mês, entre numa livraria, roube um livro e o faça circular entre amigos.
Se o prenderem, acredite meu caro amigo: irei depôr a seu favor em qualquer tribunal deste país porque terá praticado um acto nobre – roubar para ler.
Se o fez para “negócio”, ponho-me a milhas.

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