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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Zena – essa grande diva da música Macua

Por Edmundo Galiza Matos

Conheci-a nos primeiros anos da década de 80 do século passado em Nampula. Ela, o Gimo (Mendes) Abdul Remane e o Salvador Maurício.

Os três tinham fortes ligações com a Casa da Cultura, organismo sob responsabilidade da Direcção Provincial de Educação, à frente da qual estava o actual ministro do pelouro, Aires Ali.

Zena Bacar (seu nome completo), com quem raramente cruzo no emaranhado das ruas e avenidas de Maputo, continua ligada a música e muito recentemente esteve num evento cultural na China, integrada num grupo do qual fazia parte o meu amigo Chico António, também ele um artista musical de grande calibre. Disse-me, a Zena, no último encontro que está na forja o seu primeiro disco a solo, a ser gravado num dos estúdios de Maputo.

O Gimo (Mendes) Abudl Remane, esse divide a sua vida, privada e artística, entre a Dinamarca e a Ilha de Moçambique, esse património mundial defronte do qual fica Mussoril, sua terra natal. Sei que para além de se apresentar em espectáculos, tanto nas escandinavas como em Moçambique e outras paragens, o Gimo dedica-se, aqui e ali, a dar aulas ou a proferir palestras sobre música, sobretudo a tradicional. Tem gravado um disco, “A Luz”, de 2005, com o selo da “Gateway”. Tomo conhecimento que acaba de ser nomeado, juntamente com o seu compatriota, Deodato Siquir, para a categoria de Melhor Artista Africano – Dinamarca (DK) 2009, cuja indicação dos premiados está prevista para Outubro próximo.

O Salvador Maurício, como se sabe, já não está no mundo dos vivos. Deixou-nos uma obra antológica, considerada o primeiro registo em disco de canções cantadas em Ximácua. Uma das suas canções, “Os Ratos Roeram Tudo”, muito popular, viria a ser banida na Rádio Moçambique, então única estação radiofónica no pais. Razões: de cariz eminentemente política, a letra criticava os dirigentes, no caso provinciais, de se apoderarem de todos os produtos alimentares e outros, escassos no mercado na altura, deixando para o grosso dos consumidores (população) quantidades insignificantes. Do género “Eles Comem Tudo, Não Deixam Nada” de Zeca Afonso. Estava-se na era do monopartidarismo em Moçambique.

Outros contextos históricos bem determinados, onde, curiosamente, a “filtragem” do que podia ou não ir para o “AR” na RM e outros media públicos de então era selada por alguns escribas que hoje, em jornais ditos “independentes”, “berram” aos quatro ventos contra a existência de uma Foice para capar os jornalistas mais atrevidos. Um deles – exactamente aquele que achou por bem banir a música “Os Ratos Roeram Tudo”, acabou ele próprio por zarpar para as Costas Ibéricas.

E porque estava a falar sobre o Salvador Maurício, vale a pena referir que ele legou-nos dois discos, ambos gravados e editados pela RM: On Hipiti (Ilha de Moçambique) em 1982 e, um ano depois, “Salvador Maurício”.

Enquanto na primeira obra pontificaram as colaborações de músicos do então grupo RM (Sox, José Guimarães, Milagre Langa, Zeca Tcheco, Pedro Ben, Wazimbo, Ernesto Zevo, José Mucavele e Alípio Cruz (Otis) e ainda Hortêncio Langa), na segunda o Salvador socorreu-se dos préstimos da “malta” da sua terra, Nampula, nomeadamente, Roque, Orlando, Eurico e Valentim Centura, nomes então desconhecidos mas que terão imprimido na obra sonoridades daquela região do país. Fernando Azevedo e António Francisco Cuna, já falecidos, foram os técnicos que registaram as duas obras, editadas em suporte vinil.

Mais tarde, os três (Gimo, Salvador e Zena) formariam então aquela que viria a ser a primeira banda estruturada da província de Nampula, o Eyuphuro, na qual pontificaram outros nomes, entre eles o Omar Issá. Uma banda incontornável no cancioneiro nacional, autora de três discos gravados em Maputo – um dos quais pela Rádio Moçambique – e na Grã-Bretanha.

Se é verdade que o trio só viria à ribalta da música moçambicana após a gravação da canção “Os Ratos Roeram Tudo”, não o é menos o facto de o primeiro registo das suas músicas ter sido feito por mim, em fita magnética “Scotch”, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique em Nampula. Deve ter sido entre 1983/84. Infelizmente tal registo perdeu-se no emaranhado dos vários quilómetros de fita em bobines que existiam na discoteca daquele emissor.

A gravação foi feita nas antigas e degradadas instalações do emissor, num estúdio equipado com uma consoleta dos anos 30/40 (RCA, a válvulas) e a que acoplei um misturador romeno de má qualidade, com seis entradas para os microfones. O gravador era uma Revox PR 99, mono, moderna e um luxo na altura.

Para os padrões de então, a qualidade do registo era razoável e convenço-me agora que terá sido aquela tosca experiência que terá levado a Zena, o Gimo e o Salvador a pensar em “voos mais altos” e, de violas a tiracolo, rumarem para a sede da Rádio Moçambique, em Maputo, onde tinham melhores condições técnicas de gravação e edição das suas canções. A aposta deu certo.

Hoje, tal como referi, a Zena Bacar prepara-se para pôr no mercado o seu disco a solo, juntando-se assim a outras mulheres de Nampula, entre elas as irmãs Domingas e Belita. Recentemente, a “Diva da Música Macua” esteve na República Popular da China, integrada num grupo que incluía o Chico António, para se apresentar num evento cultural sino-africano. Ao que me contaram, não se saíram nada mal.

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