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quarta-feira, 26 de março de 2008

"Muitas moçambicanas olham o homem branco como salvação"









Uma das mais conceituadas escritoras moçambicanas, Paulina Chiziane, concedeu em Lisboa, Portugal, uma entrevista à jornalista Isabel Lucas, na qual faz declarações que, pelo seu interesse, lhes proponho que a leiam. E com muita atenção.
Quero acreditar que a transcrição das declarações de Chiziane não sofreu qualquer tipo de incorrecção ou até má interpretação por parte da jornalista lusa. Para bem da verdade.
Contudo, já aconteceu alguns dos nossos escribas queixarem-se de jornalistas, sobretudo portugueses, publicarem declarações suas com imprecisões e, até, manipuladas, não por descuido – mesmo assim inaceitável – para levar os leitores a entenderem um conceito ou ideia que não lhes pertencem. Para proveito no mínimo obscuro.
Há uns tempos, se a memória não me falha, o Mia Couto ter-se-á insurgido contra a forma como uma entrevista sua a um jornal português foi interpretada e publicada pelo jornalista com quem havia conversado.
“Muitas moçambicanas olham o homem branco como salvação”
Eis o título da peça publicada pela jornalista Isabel Lucas no jornal Diário de Notícias, na sua edição de 24 de março corrente.
A escolha deste título para a peça em referência pode levar a muitas e variadas interrogações, uma das quais será: A nossa Paulina Chiziane terá de facto dito aquela barbaridade? Pessoalmente não o creio pela simples razão de que não faz sentido que uma escritora como ela, que já deu provas do seu orgulho como moçambicana (e africana), tenha deixado escapar uma barbaridade como aquela. De qualquer forma compete à Chiziane desmentir ou não.
Da minha parte trarei para aqui o meu ponto de vista sobre o conteúdo da entrevista mas convido desde já quem quer que seja, incluindo a própria Paulina Chiziane, que faça o mesmo. Sob pena de estarmos a calarmo-nos perante a persistente ideia que parece ainda prevalecer entre muitos portugueses, sobretudo jornalistas, de que “O preto é incapaz de fazer qualquer coisa sem a ajuda do branco”.
Será que a escola do General Kaúlza de Arriaga ainda está viva nalgumas redacções portuguesas, mesmo depois da humilhante derrota foi infligida pelos “pretos preguiçosos” na famosa operação “Nó Górdio” no norte de Moçambique nos anos 1968/69?
Vai aí a entrevista, com a devida vénia do Diário de Notícias.

"* O romance que publicou agora em Portugal e será editado em Moçambique questiona o envolvimento dos indígenas na colonização. Polémica garantida?
- É um livro polémico. Tenho consciência, mas era preciso começar a discutir o problema. Olhávamos para o invasor como a causa dos problemas. A Zambézia é das províncias mais ricas, um lugar onde a exploração portuguesa foi muito forte. Se os portugueses eram tão poucos ali, como dominaram a província e o país? Qual a participação dos indígenas? Se parar para uma reflexão interna, a mão dos indígenas foi muito forte. A Zambézia foi a parcela do território com maior miscigenação. Como aconteceu? Será que as mulheres foram violadas? Será que se entregaram? Como é que a Zambézia tem tantos mulatos?
* Este livro, O Alegre Canto da Perdiz, parte de uma teoria.
- Segundo a tradição oral eram as mulheres negras que procuravam o homem branco para ter um filho mulato para que este não fosse depois deportado. Ainda há essa busca do homem branco. Muitas raparigas de 15 e 16 anos olham o homem branco como uma salvação. Sou observadora social e fui coleccionando estas questões.
* Como explica, 30 anos após a independência, que essa busca do homem branco continue?
- Estamos a assistir a qualquer coisa que não consigo interpretar. Os mulatos parecem estar de novo a assumir o controlo da situação. Com a economia de mercado aparecem os antigos portugueses a assumir o comando das infra-estruturas e o filho mulato ressurge no poder. Ainda não sei muito bem o que estou a fazer. Abro uma polémica para reflectir sobre o futuro do país. A reflexão sobre o que é ser moçambicano parou. Como nos vamos relacionar, que país estamos a construir? De forma suave tento levantar questões.
* E o que é ser moçambicano?
- Temos uma consciência nacional que não é comum aos outros países africanos. Moçambique está muito mais próximo da unidade nacional do que a maior parte das nações africanas. Aqui não há divisões tribais. Estamos todos misturados. Essa é das maiores relíquias de Moçambique. * Teme as reacções ao livro?
- Tenho medo. Nem quero ser heroína nem mártir. Quero ser uma cidadã comum, mas não me sentiria bem se não escrevesse o que sei. Há gente que não vai gostar. Pode haver quem se zangue comigo. Acima de tudo quero contribuir para a reflexão da moçambicanidade.
* O escritor Francisco José Viegas chama-lhe "a escritora mais divertida de África"...
- Isso tem um pouco a ver com a estética da tradição oral. Quando os assuntos são muito profundos é preciso aligeirar. Já fiz isso com o livro anterior, em que o tema era a poligamia. De vez em quando tenho de fazer paragens para suavizar e dar um equilíbrio emocional ao leitor."

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