Iniciado em 1971, o livro Conversas com Woody Allen (Cosac Naify, 512 págs.) do jornalista norte-americano Eric Lax, cobre metade da vida do mais engraçado cineasta dos EUA, que abandonou o trem de Fellini para pegar o vagão de Bergman e embarcar no chamado cinema "sério", ao filmar, em 1978, o hoje clássico Interiores, seu rito de passagem. Woody Allen, diretor de Vicky Cristina Barcelona, confirma em sua entrevista que é a pessoa menos indicada para falar de seus filmes. E também que não faz o mínimo esforço para acabar com a fama de anti-social.
Apenas uma pessoa, o jornalista Eric Lax, seu biógrafo, parece capaz de arrancar dele declarações que joguem alguma luz sobre esse autor que pouco se importa com o público, chegando a usar como título de trabalho de um seus mais badalados filme, Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) a palavra Anedonia (que significa incapacidade de sentir prazer). Lax, em sua entrevista exclusiva ao Estado, garante que, apesar do título exótico, Allen não é uma pessoa indiferente. "Na realidade, é um homem de sentimentos fortes, embora controlado", define o jornalista.
Lax diz que todas as entrevistas foram editadas sem cortes, embora admita ter aceitado sugestões de Allen e inserido alguns esclarecimentos para que suas declarações não parecessem ininteligíveis como as de Casey Stengel, o treinador do New York Yankees.
O título original de Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), era Anhedonia (Anedonia), que significa a incapacidade de sentir prazer, algo muito próximo à imagem que se tem de Woody Allen, considerando seus filmes.
Você classificaria seu biografado de indiferente?
Como muitas pessoas engraçadas, Woody tem uma visão melancólica da vida. Não diria que é indiferente. Na realidade, é um homem de sentimentos fortes, embora controlado. Ele não se permite sentimentos extremos de euforia ou infelicidade. Ao contrário, move-se dentro de uma faixa estreita de emoção, que o protege e permite que se concentre em seu trabalho. Nunca encontrei em minha vida alguém tão disciplinado. Não importa como se sinta, ele se obriga todos os dias a escrever e a estudar clarineta. Essa disciplina é uma das razões de sua prolífica produção.
Entre os filmes favoritos de Woody Allen estão A Rosa Púrpura do Cairo, Match Point e Maridos e Esposas. E você, quais são os filmes que considera os mais reveladores de sua personalidade?
Todos os três filmes citados representam parte da filosofia pessoal de Woody. A Rosa Púrpura do Cairo trata da diferença entre a fantasia, como mostrada nos filmes vistos pela personagem de Mia Farrow, Cecília, e a realidade. Seria maravilhoso se o galã saísse da tela e Cecília pudesse fugir com ele, mas isso é apenas um sonho. A realidade é que Cecília vive em plena Depressão americana dos anos 1930 e é casada com um um homem egoísta e rude. Já Match Point traduz sua desconfiança de que não há nenhum Deus olhando por nós para nos recompensar ou punir. Se escolhemos matar alguém e não formos pegos pela polícia, então podemos seguir em frente. Woody argumentaria, contudo, que, mesmo diante de um universo indiferente, devemos agir dentro da lei, porque isso dá satisfação pessoal e, se assim não fosse, seria o caos. Ele diria: faça o bem, mesmo que não receba nenhuma recompensa. Mas fazer o bem por conta própria é provavelmente mais difícil do que por conta de uma ameaça religiosa. O Sonho de Cassandra, creio, é uma espécie de conclusão de Match Point: alguém comete um crime, mas sua consciência não o deixa em paz.
Alguns críticos ficaram frustrados com as poucas revelações da vida pessoal de Allen em seu livro. Por que evitou perguntas pessoais em seu livro?
Escrevi uma biografia de Woody há 17 anos e publiquei uma edição atualizada quando ele e Soon Yi Previn se casaram. Esse livro está cheio de detalhes da vida pessoal de Woody. Já Conversas com Woody Allen não é uma biografia, mas um olhar sobre a evolução do artista nos últimos 36 anos. Versa sobre um diretor e sua obra. Concluímos, ele e eu, que seria melhor organizá-lo do jeito que está, acompanhando ano a ano essa produção, do que esperar para rememorar fatos que aconteceram, 20, 30 ou 50 anos antes. Este livro é como um álbum em que cada conversa foi registrada na época, sem modificações, permitindo que o leitor possa imaginar como Woody se sentia, por exemplo, nos anos 1970, quando começou.
Quando você o conheceu, em 1971, Woody disse que havia algo de imaturo, de segunda classe, na comédia, quando comparada ao drama. Em sua opinião, o que fez, então, o diretor escolher o primeiro gênero em sua estréia?
Ele era realmente bom na comédia e foi assim que construiu sua carreira. Esperava que os estúdios, depois que ele tivesse feito um nome como cômico, financiassem seus dramas, o que, de fato, acabou acontecendo.Depois da biografia de Woody Allen, você publicou alguns outros livros no gênero, entre eles as vidas de Humphrey Bogart e Paul Newman.
O que é mais difícil: escrever sobre um ídolo morto ou um autor vivo?
A biografia de uma pessoa viva é, por definição, incompleta e ninguém, incluindo aí o biografado, sabe o que acontecerá no futuro. Então, podem acontecer reviravoltas que venham a desmenti-la. Se o sujeito está morto, então o escritor tem as entrevistas e documentos para trabalhar e a história pode ser vista como um todo. Woody jamais reclamou de nenhuma revelação que tenha feito sobre sua vida, mesmo a de que casou virgem, aos 20 anos. Verifiquei pelo menos duas vezes cada informação sobre sua vida.
Allen reconheceu que você é uma das poucas pessoas que realmente o conhecem bem. O que o fez mudar de idéia a seu respeito, considerando que sua primeira entrevista com ele foi um desastre?
Conversas correm bem quando ambos estão confortáveis. Ele era uma pessoa muito tímida na primeira vez que nos vimos e eu estava mais nervoso do que deveria, então trocamos apenas algumas palavras. As respostas dele foram sucintas e pensei que nunca mais nos veríamos. Mas não. Ele me telefonou, fizemos uma nova entrevista e as coisas melhoraram, a ponto de sermos amigos desde então.
Nas entrevistas, Woody Allen mostra-se autodepreciativo, embora bastante honesto, mas evita explicar seu lado anti-social. Por que ele nunca vai a festas em sua homenagem e recusa receber prêmios?
Creio que sua timidez crônica seja a resposta. Ele não suporta fazer conversas tolas e detesta prêmios em geral. Diz que os prêmios, de certa forma, prejudicam o artista, argumentando que, se você aceita um prêmio, aceita também a opinião de quem o deu e terá de aceitá-la novamente se essas mesmas pessoas decidirem que seu filme seguinte é um fiasco. Para ele, a platéia-alvo de seus filme é ele mesmo, embora, claro, fique muito feliz quando um filme como Match Point, que é talvez aquele que mais o agrada, faz sucesso junto ao público e tenha ressonância crítica.
Seu livro, como disse, é um álbum que contempla metade da vida de Woody Allen. Além de sexo e sua admiração por filmes europeus, qual é o tema mais freqüente das conversas entre vocês?
Esportes, livros e crianças, além da seus filmes, que ocupam boa parte dessas conversas.
Woody Allen tem algum projeto irrealizado, algo ambicioso que ainda pretende fazer?
Sim, ele gostaria de fazer um filme chamado American Jazz, sobre o desenvolvimento do jazz.
Allen já pensou em escrever a autobiografia, como disse em algumas entrevistas, o que leva automaticamente à pergunta: ele não autorizou a publicação de alguma passagem de seu livro?
Posso garantir que as entrevistas foram publicadas na íntegra, sem edição, em todos os países onde o livro foi lançado. No Brasil, inclusive.
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