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terça-feira, 21 de abril de 2009

Eusébio Johane Tamele: um trovador e escritor com ideias e convicções próprias (X)


Tive o ensejo e a felicidade de conhecê-lo pessoalmente mas, para minha infelicidade, morria pouco depois. Da longa conversa que tivemos, em Xai-Xai, aquando do lançamento das primeiras emissões autónomas da Rádio Moçambique na província de Gaza, ficou-me a sensação de que Eusébio Johane Tamele não terá sido apenas “mais um”, ou seja, mais um intérprete da canção ligeira moçambicana, mas também um homem com ideias e convicções próprias.

Eusébio Johane Tamele deu-me a ler excertos de um manuscrito de sua lavra no qual relata as suas memórias e alguns registos histórico-políticos das suas vivências. Fiquei impressionado com a riqueza do material ali registado mas, e porque se tratava de um primeiro contacto com o homem, ainda me ficou algum cepticismo. A dúvida, porém, havia de ser dissipada quando, no decurso das comemorações dos 40 anos da morte de Mateus Sansão Muthema, em Chikhumbane, ouvimos uma evocação referir, a certa altura, que Eusébio Johane Tamele foi parceiro e confidente político daquele nacionalista da Frente de Libertação de Moçambique. Hoje, aqui e agora, se calhar também rendemos homenagem a um escritor, e não somente a um grande trovador.

Abordando agora a sua vertente musical, aquela em que Eusébio Joohane Tamele ficou mais conhecido.
Hoje, muitas décadas depois, não tenho dúvidas de que o homem não se desvia um único milímetro do traço musical da sua terra natal, embora não resistamos à tentação de o classificarmos em termos mais universais, o iremos fazer de seguida.

Socorrendo-me do modesto conhecimento que tenho sobre a literatura da especialidade, não vejo como não colocar Eusébio Johane Tamele, ou Zeburani como era popularmente chamado, no rol daqueles intérpretes que usam a sátira como elemento básico nas suas composições. A sátira, representada pelas conhecidas "cantigas de escárnio e de mal dizer", encontramo-la com frequência nas letras de Zeburani, que as recria com rara beleza e, buscadas do vasto cancioneiro satírico de que Chibuto, é muito rico.
Nas composições de Zeburani, tal como acontece com os intérpretes deste género musical, já não é o sarcasmo que predomina, mas antes a nota graciosa e leve, ditada pela ironia, que nem por isso deixa de ferir algumas susceptibilidades.

Para nós, Zeburani fá-lo com muita delicadeza, não abdicando da sua função social e correctiva. Por exemplo, na canção "Tshunela Seyo", Zeburani deixa um pouco a sátira de lado para entrar no domínio do humorismo. É um jogral entre marido e esposa, com esta a advertir o parceiro a não se aproximar de si, porque tem o filho doente. E depois...
Bem, e depois a mulher não cede à sedução, e o homem procura, pela aldeia adentro, quem lhe possa "comer limão"...

Não acabo esta abordagem à música de Eusébio Johane Tamele, ou melhor Zeburani, sem antes colocar na mesa mais uma pergunta pretensiosa.
Quem gosta da música blues, sabe que este estilo musical se caldeou e sedimentou a partir de vários estilos musicais europeus e africanos levados para as Américas pelos colonizadores e pelos respectivos escravos.
"Bava A Nga Pswalanga", é provavelmente o tema mais conhecido de Eusébio Johane Tamele. Considero esta canção um blues na sua forma mais pura ou, mais precisamente, um folk blues que, como se sabe, é uma das raízes deste estilo musical que se desenvolveu nos Estados Unidos da América.

Numa espécie de tira-teimas, comparemos "Bava A Nga Pswalanga", do nosso Zeburani, com o tema "Cocaine" interpretado, na sua forma original, pelo nova-iorquino Dave Van Ronk e tornado porém famoso, nos anos 70, pelo guitarrista e bluesman britânico Eric Clapton.

Com o mesmo propósito comparativo existem nas respectivas produções discográficas um tema interpretado por Otis Ray Redding, Jr., um blues do delta do Mississipi executado por Mississipi John Hurt, e um blues da savana de Chibuto (Gaza, sul de Moçambique) intitulado "Bava a Nga Pswalanga" de Eusébio Johane Tamele, ou melhor, de Zeburani.
Se por ventura escutar as trés propostas, o leitor que tire as suas conclusões, sendo que a nossa é de que Zeburani, sim, foi um bluesman.

(*) Texto de Autoria de Luís Loforte, adoptado do Programa radiofónico “Clube dos Entas” transmitido na Rádio Moçambique, Antena Nacional, na frequência FM 92.3: Quinta-feira (22H05) e Segunda-feira (02H05). O programa é produzido e apresentado por Edmundo Galiza Matos, com créditos técnicos de Nassurdine Adamo.

1 comentário:

  1. Interessante apanhado, como o é “um olhar sobre a canção moçambicana nos anos 60 e 70.”
    Bom, devo dizer que desconheço o escritor e por isso me abstenho de falar, dai que minha análise vai centrar-se na vertente musical.
    Da “cantigas de escárnio e de mal dizer”,
    Não há dúvidas que encontramos este tipo de cantiga, no tema tshunela seyo, pois, para além do elemento cómico, encontramos também a questão do duplo sentido, das ambiguidades, do jogo semântico altamente explorados nesta música, aliás, salienta-se mais nesta música a questão do duplo sentido, em detrimento do humor, é só pegar a parte em que diz”ukhohlwile mabela ya mina yo ba hi xi kossi” (esqueceste da minha forma de bater olhando rente a nuca) e perguntaríamos (quando a questão é “comer o limão”), que forma é essa de “bater” (e a uma mulher) olhando a sua nuca?

    Mas penso, que Zeburani tende mais a cantigas de amigo que de escárnio, porque se formos a analisar a sua obra em conjunto, deparamos que o eu-lirico de Zeburani, é o feminino sofredor que canta seu amor, muitas vezes não correspondido.
    Se por exemplo nas cantigas de amigo encontramos a mulher triste pela ida do seu amado à guerra, em Zeburani, podemos estabelecer um paralelismo entre guerra e um amor não correspondido, ou então, de uma mulher que chora a constante ausência do seu marido como na música “ni biwa kangaki”, onde o homem sai de manhã “ a ku nkakwanana aya vuya nimichu” e só volta no dia seguinte de manhã. Ou então na música “ni yinguisseta noti”, onde a mulher, a noite e na longa espera, ouve um assobiar típico do seu marido e pensou que fosse este a voltar, mas engana-se.(esta música é também um verdadeiro blues)
    “Tcha tcha tcha”, e “manvirinvoro” seriam outros exemplos, bem explorados do eu-feminino sofredor que canta um amor não correspondido.

    Um bluesman?
    Sim, Zeburane foi de facto um bluesman e dos fortes, acrescento ao bava anga….a música “Dilikaze” e compar¬á-lo a linha de execução de Buddy Guy e/ou Muddy, alias, patente nesta música a linha trovadoresca de Zeburani, porque “Dilikaze”, é um verdadeiro poema de amor cantado.
    Parabéns pelos escritos oh Loforte e bem haja o Galiza, que os traz aqui…

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