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Cascatas da Namaacha: sete anos depois da seca

segunda-feira, 31 de março de 2008

Xinderi de Primeirissíma

Trés instrumentos mexem com a minha sensibilidade musical – o Bandolim, o Banjo e a Cítara. Todos eles de cordas.
Não significa isso que os acordes da viola acústica, o piano ou a flauta ou outros instrumentos não tenham esse dom de agradar qualquer ouvido minimamente educado para absorver a boniteza de quaisquer que sejam os sons: o duelo entre namorados de Xiricos preparando-se para o acasalmento ou o coaxar bem sincopado de uma “orquestra” de rãs tendo como palco uma lagoa no silêncio audível de uma noite molhada – tudo isso faz-me bem a alma. É como que um tónico.
Mas é do Banjo, da Cítara e sobretudo do Bandolim que me proponho escrever, depois de, numa madruagada em que o sono vinha e ia, ter escutado perplexo numa dessas populistas rádios algumas músicas nas quais os executantes utilizavam aqueles instrumentos.
Do Bandolim, e tanto quanto a memória me permite recordar, mantive o primeiro contacto através do “Moda Xicavalo”, uma lendária música de Fany Mpfumo e Francisco Mahecuane gravada em finais dos anos 50 na África do Sul e bastas vezes passada na Hora Nativa do Rádio Clube de Moçambique. Servia para o fecho da emissão diária.
Encerrada que foi a Hora Nativa com a nacionalização do RCM e consequente criação em 1975 da actual Rádio Moçambique, o bandolim de Fany e sua “Moda Xicavalo” se não desapareceram, no mínimo deixaram de serem dedilhados ou cantados pelos seus executantes, inclusive pelo próprio “Rei da Marrabenta”.
Porquê esse sumisso de tão pequeno/grande instrumento? Eis uma pergunta sobre a qual não tenho uma resposta plausível embora, no plano da especulação, possa pensar que tanto o Fany como outros seus discíplos o tenham preterido optando pela guitarra eléctrica. Até porque dá para perceber pela raridade, mesmo pelo mundo fora, de agrupamentos musicais que utilizavam o Bandolim.
Desde então, por aí 1975/76, o Bandolim foi remetido ao silêncio até que ... o acaso, sempre o acaso.
De microfone em riste e com pressa de “arrancar” uma entrevista ao Raúl Domingos – em 1992 – deparo-me com dois homens, um dos quais desinteressadamente tirava uns sons que, pela sua raridade, me aguçaram a curiosidade. Foi aí que fiquei a saber que o instrumento sobre o qual escrevo era de madeira julgo que prensada e com oito cordas.
O executante na circunstância era o Ernesto Zevo (Ximanganine para os amigos) na companhia daquele que daí viria a saber ser Abílio Manldaze, entretanto já falecido.
A entrevista a Raúl Domingos não se realizou simplesmente porque o Zevo e o Mandlaze foram por mim enfiados à força no Estúdio Teatro e... minutos depois veio à luz do dia aquela música que na parada do Ngoma de 1993 se tornaria a a Canção Mais Popular: “Juro Palavra D´honra, vou Morrer Assim”.
Refira-se, contudo, que a popularidade do “Juro ...” começa com a radiodifusão, no “Onda Matinal” hoje “Jornal da Manhã”, do tosco registo em cassete normal feito por mim, até atingir o clímax depois de o Roberto Aúze lhe dar a versão tecnicamente mais apurada, mas não tão original que aquela por mim registada. Passe a petulância. De resto não o pode ser quando me dizem hoje, volvidos 15 anos, que até o “Izi Jazz” Izidine Faquirá figura na ficha técnica da música como executante da bateria programada “Rolland”.
Entretanto só me dou verdadeiramente conta da popularidade do “Juro...” numa noite escura como breu em plena baía de Inhambane quando toco a cassete com a conversa e a música do Zevo e Mandlaze. Os dois ou trés marinheiros que nos transportavam, a mim e à minha mulher e filhos, a meio do trajecto Inhambane/Maxixe, acto contínuo, param a a barcaça e desligam o motor. Sem nenhuma explicação.
O silêncio da noite, importunado apenas pelo bater das ondas no casco do vaso e dos acordes do bandolim que saíam do gravador, pareceu-me que tiveram o condão de transportar aqueles velhos lobos do mar para um tempo que viveram intensamente, certamente já diluído nas suas memórias, qual espuma salgada das aguas do mar.
Depois de religiosamente escutarem a música e a entrevista e informados de quem eu era e que parte da minha infância tinha sido também envenenada pelos sons que saíam dos “His Master Voice” numa aldeola chamada Matacalane não muito distante dali, os homens nada disseram, manobraram o barco e já na corcomida ponte cais da Maxixe é que um deles, meneando a cabeça, balbuciou qualquer coisa como isto: Singu Wonega, ou seja “dá para perceber”. E mais não abriram a boca.
Onde está o primeiro registo magnético do “Juro Palavra D´honra, Vou Morrer Assim”? Nem eu o posso afirmar, nem a minha mulher e filhos, embora algo me diga que a cassete foi parar, por oferta minha, às mãos de um ancião da aldeola que de forma insistente mo pedira enquanto lá estivera em gozo de férias.
E a cópia feita para a radiodifusão? Essa, sei eu, teve o mesmo destino que muita relíquia sonora tem na Rádio Moçambique – simplesmente desgravada porque na RM a cultura de arquivar não existe. Incluo-me, embora por vezes o acaso...
Não fosse a crónica falta de meios de trabalho na Rádio Moçambique um registo de suma importância para a história da música moçambicana ter-se-ia irremediavelmente perdido: à cata de uma fita magnética e depois de muito suar, acho uma com evidentes sinais de que há muito não era manejada, tanta era a poeira que a envolvia.
O impulso normal de a desmagnetizar felizmente cedeu perante a curiosidade de ouvir o que eventualmente lá estivesse registado: a primeira e exclusiva entrevista que Fany Mpfumo, acabadinho de regressar da Africa do Sul, concedeu a Gulamo Khan. Em 1974.
Esta relíquia do melhor executante do Bandolim está arquivada na Fitateca da Rádio Moçambique. Para quem está interessado na história da nossa música.
Enfim ... perante tanta mediocridade que vivemos no expectro musical em Moçambique, apetece-me afogar-me num gericam de Xinderi da primeirissíma, cantando “Juro Palavra D´honra, Vou Morrer Assim”.
E então? Será que, desaparecido o “Rei” Fany Mpfumo só nos resta apenas um executante do Bandolim? O Ernesto Zevo ainda me disse “parece-me que o Hortêncio Langa dá uns toques, não sei”.
E os outros instrumentos?
Em Moçambique, tanto quanto sei, não temos executantes do Banjo e da Cítara, muito embora existam alguns aficionados pela Country Music e pela obra do indiano Ravi Shankar.
Ambos os instrumentos são originários de mundos diametralmente opostos, geográfica e culturalmente: o primeiro da Irlanda e muito popularizado nos EUA e o segundo da Índia.
Com alguma semelhança com o Bandolim, o Banjo “põe-me nas nuvens” desde que numa alucinante noite do longíquo ano de 1974 assisto um filme – muito estranho, é preciso que se diga – que tem por título original “Deliverance” (Fim de Semana Alucinante em português) realizado em 1972 por John Boorman e estrelado por Jon Voigth e Burt Reynolds.
A tenra idade que não permitiu então ajuizar a finalidade última da obra, não evitou que ficasse como que petrificado no banco do Cinema Pemba perante o “Dueling Banjos” corporizado por um miúdo cego de cabelos eriçados, aliás o melhor que há do Bluegrass Music gravado por Eric Weissberg no Banjo e Steve Mandel no Violão.
Sons enigmáticos tanto quanto o era o Anvar Abdulatifo saem da Cítara, esse instrumento que, não sei porquê, me parece muito feio, no entanto tão bonito quando manejado por Ravi Shankar.
O Anvar era, a seu tempo, a minha referência em matéria de música de vanguarda, consubstanciada nas emissões que realizava como locutor no Emissor Regional de Cabo Delgado (ou Porto Amélia), cujo raio de acção terminava lá para as bandas de Mahate e, à noite, em Mecufi.
Forçado então a ter que escutar os sons dedilhados com mestria por Shankar, esperando que o admirável locutor passasse trechos dos Jimi Hendrix e Page, que é o que a malta gramava, o ouvido foi se acostumando à Cítara, gosto ainda mais acentuado quando em finais dos anos 70 me vem ter às mãos – já como sucessor do Anvar – uma gravação do Woodstok, esse festival que lançou Ravi Shankar para o mundo, ao lado de nomes como Jimi Hendrix e Janis Joplin.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Vamos Roubar para Ler

Considero-me um leitor voraz e sempre sedento de livros.
Diria mesmo que sou um “maníaco” da leitura.
Da boa literatura, entenda-se.
Tudo que seja papel garatujado, mesmo que em linguas e caracteres estranhos, é motivo para aguçar a minha curiosidade, ainda que nada de lá tire algo de proveitoso: é que o simples acto de decifrar e tentar entender o que se escreve é motivo mais que suficiente para meu deleite.
O leitor que está debruçado sobre estas minhas confissões, poderá concluir que pertenço a uma espécie em vias de extinção. Um “fóssil” até.
Não, não sou.
Aceito sim ser uma das poucas excepções no mundo dos milhares de moçambicanos, minimamente letrados, que não gostam de folhear um livro e dele extrair experiências e ensinamentos para a vida.
No actual debate sobre o gosto (ou a falta dele) pela leitura entre nós, a constatação comunemente aceite pelos analistas terá como causa primária o difícil acesso ao livro ditado pelos proibitivos preços praticados pelas livrarias; ou então o descuido dos pais e educadores no estimular as pessoas – sobretudo os jovens – na prática do acto de ler como meio para se formarem cultural e cientificamente.
Outros atiram as culpas para este estado de coisas aos ditames do mundo do telemóvel, da comunicação fútil e ... da busca doentia da fama.
Numa coisa estamos todos de acordo: o livro é caro. Poucos são aqueles que têm posses para o ter à mão. Mas também, a mediocridade das vidas de muitos é mais que evidente.
Contudo interrogo-me:
Desde quando o livro foi barato em Moçambique, tanto no período colonial como agora?
Quantos dos que hoje lamentam esta realidade tiveram acesso fácil ao livro mas mesmo assim liam e muito?
Os que tiveram o privilégio de entrar numa livraria e de lá sair com um livro, contam-se pelos dedos da mão. A grande maioria, dentre ela eu, nem sequer tinha dinheiro para comprar uma sebenta quanto mais um livro.
Contudo lia até à exaustão, “vício” que até hoje, orgulho-me, se me “grudou” e dele não não me desfasço.
E como fazia então para ler, perguntar-me-ão.
A resposta é tão simples como isto: roubando. É isso mesmo, ROUBANDO LIVROS.
Hoje, para satisfazer o vício, não roubo, surripio.
A minha saga de Ladrão de Livros – não de Bicicletas – começa nos primeiros anos da minha adolescência na Livraria Sotil em Porto Amélia (Pemba): tal como o viciado pelas drogas pesadas que inicia a sua “carreira” não raras vezes “puxando” um inofensivo charro de suruma, este “leitor militante” iniciou-se na literatice, roubando e lendo os livros aos quadradinhos: Matt Marriot, Mandrak, Fantasma, Bill The Kidd; ou então os livrinhos de bolso de famosos Cow Boys “Revolver 45”, “Sete Balas”.
Uma incursão minha a uma livraria, tendo como “guarda-costas” os irmãos Tique (João, César e Sérgio) resultava sempre num prejuízo considerável para a “Sotil”. Calças e camisas desmedidamente largas para a minha estatura eram o suficiente para acondicionar mais do que uma dezena de livrinhos.
A senhora do balcão – que nós julgavamos uma pera doce – até se dava ares de despercebida com o atrevimento da miudagem e lá deixava-nos sair com o produto do crime. Até um dia ...
Com o passar do tempo, o produto do “roubo” começou a ser mais volumoso e valioso, o que acarretava metódos mais complexos para me furtar à vigilância da balconista, portuguesa é preciso que se diga, mas, lá ia saindo com uma ou duas obras para surpresa dos meus cúmplices: O Irving Wallace e outros da mesma turma eram então os nossos preferidos.
Até que a situação começou a “cheirar mal” para o dono da livraria que, perante os prejuízos passou a estar de olho, primeiro na própria empregada do balcão e depois para este “ladrão de Livros” que todos os dias entrava e saía do estabelecimento de mãos a abanar mas estranhamente com a barriguinha saliente.
O hábito tornou-se rotina, de tal sorte que o ladrão de livros começou a exceder-se até que um dia foi surpreendido, não só com a prova do crime, mas com uma obra considerada então subversiva que não fazia parte do espólio da livraria.
Apanhado e interrogado que foi, o meliante vai parar à esquadra da então PSP (polícia de segurança pública portuguesa) e dali para a famigerada PIDE, a secreta colonial.
O agente, a princípio relutante em interrogar um miúdo que de subversivo nada tinha, só o fez quando informado que o “puto” era tão “turra” como o mais destemido dos macondes. O livro dizia tudo.
“A Mãe”, de Máximo Gorki, ainda por cima com capa de um vermelho escuro, era mais que suficiente para me julgarem o mais perigoso dos contestários de então em Porto Amélia. Coitado de mim, que de política ainda era “virgem”.
Com o ar mais macambuzio deste mundo, mas apercebendo-me da gravidade da situação, inventei a esfarrapada mentira de que o tinha achado numa lata de lixo lá para as bandas do Batalhão 14, em cujo seio existiam oficiais do exército colonial português desterrados de Portugal para a colónia em virtude das suas ideias revolucionárias.
Ficaram-me com o livro e saí de lá com os ouvidos a doridos devido a duas bem dadas chapadas do Pidesco.
Quem ficou a perder: o Renato Carrilho ou simplesmente Gunnas que, por qualquer motivo, me havia pedido que entregasse a maldita “Mãe” a um dos seus amigos, de que não me recordo o nome. Era o “correio” dos mais velhos que habilmente, faziam circular literatura entre eles.
Porque as “confissões” já vão longas, fica-me o seguinte conselho para quem gosta de ler mas que não o faz porque não tem possibilidades para comprar o mais barato dos livros: uma vez por mês, entre numa livraria, roube um livro e o faça circular entre amigos.
Se o prenderem, acredite meu caro amigo: irei depôr a seu favor em qualquer tribunal deste país porque terá praticado um acto nobre – roubar para ler.
Se o fez para “negócio”, ponho-me a milhas.

quarta-feira, 26 de março de 2008

"Muitas moçambicanas olham o homem branco como salvação"









Uma das mais conceituadas escritoras moçambicanas, Paulina Chiziane, concedeu em Lisboa, Portugal, uma entrevista à jornalista Isabel Lucas, na qual faz declarações que, pelo seu interesse, lhes proponho que a leiam. E com muita atenção.
Quero acreditar que a transcrição das declarações de Chiziane não sofreu qualquer tipo de incorrecção ou até má interpretação por parte da jornalista lusa. Para bem da verdade.
Contudo, já aconteceu alguns dos nossos escribas queixarem-se de jornalistas, sobretudo portugueses, publicarem declarações suas com imprecisões e, até, manipuladas, não por descuido – mesmo assim inaceitável – para levar os leitores a entenderem um conceito ou ideia que não lhes pertencem. Para proveito no mínimo obscuro.
Há uns tempos, se a memória não me falha, o Mia Couto ter-se-á insurgido contra a forma como uma entrevista sua a um jornal português foi interpretada e publicada pelo jornalista com quem havia conversado.
“Muitas moçambicanas olham o homem branco como salvação”
Eis o título da peça publicada pela jornalista Isabel Lucas no jornal Diário de Notícias, na sua edição de 24 de março corrente.
A escolha deste título para a peça em referência pode levar a muitas e variadas interrogações, uma das quais será: A nossa Paulina Chiziane terá de facto dito aquela barbaridade? Pessoalmente não o creio pela simples razão de que não faz sentido que uma escritora como ela, que já deu provas do seu orgulho como moçambicana (e africana), tenha deixado escapar uma barbaridade como aquela. De qualquer forma compete à Chiziane desmentir ou não.
Da minha parte trarei para aqui o meu ponto de vista sobre o conteúdo da entrevista mas convido desde já quem quer que seja, incluindo a própria Paulina Chiziane, que faça o mesmo. Sob pena de estarmos a calarmo-nos perante a persistente ideia que parece ainda prevalecer entre muitos portugueses, sobretudo jornalistas, de que “O preto é incapaz de fazer qualquer coisa sem a ajuda do branco”.
Será que a escola do General Kaúlza de Arriaga ainda está viva nalgumas redacções portuguesas, mesmo depois da humilhante derrota foi infligida pelos “pretos preguiçosos” na famosa operação “Nó Górdio” no norte de Moçambique nos anos 1968/69?
Vai aí a entrevista, com a devida vénia do Diário de Notícias.

"* O romance que publicou agora em Portugal e será editado em Moçambique questiona o envolvimento dos indígenas na colonização. Polémica garantida?
- É um livro polémico. Tenho consciência, mas era preciso começar a discutir o problema. Olhávamos para o invasor como a causa dos problemas. A Zambézia é das províncias mais ricas, um lugar onde a exploração portuguesa foi muito forte. Se os portugueses eram tão poucos ali, como dominaram a província e o país? Qual a participação dos indígenas? Se parar para uma reflexão interna, a mão dos indígenas foi muito forte. A Zambézia foi a parcela do território com maior miscigenação. Como aconteceu? Será que as mulheres foram violadas? Será que se entregaram? Como é que a Zambézia tem tantos mulatos?
* Este livro, O Alegre Canto da Perdiz, parte de uma teoria.
- Segundo a tradição oral eram as mulheres negras que procuravam o homem branco para ter um filho mulato para que este não fosse depois deportado. Ainda há essa busca do homem branco. Muitas raparigas de 15 e 16 anos olham o homem branco como uma salvação. Sou observadora social e fui coleccionando estas questões.
* Como explica, 30 anos após a independência, que essa busca do homem branco continue?
- Estamos a assistir a qualquer coisa que não consigo interpretar. Os mulatos parecem estar de novo a assumir o controlo da situação. Com a economia de mercado aparecem os antigos portugueses a assumir o comando das infra-estruturas e o filho mulato ressurge no poder. Ainda não sei muito bem o que estou a fazer. Abro uma polémica para reflectir sobre o futuro do país. A reflexão sobre o que é ser moçambicano parou. Como nos vamos relacionar, que país estamos a construir? De forma suave tento levantar questões.
* E o que é ser moçambicano?
- Temos uma consciência nacional que não é comum aos outros países africanos. Moçambique está muito mais próximo da unidade nacional do que a maior parte das nações africanas. Aqui não há divisões tribais. Estamos todos misturados. Essa é das maiores relíquias de Moçambique. * Teme as reacções ao livro?
- Tenho medo. Nem quero ser heroína nem mártir. Quero ser uma cidadã comum, mas não me sentiria bem se não escrevesse o que sei. Há gente que não vai gostar. Pode haver quem se zangue comigo. Acima de tudo quero contribuir para a reflexão da moçambicanidade.
* O escritor Francisco José Viegas chama-lhe "a escritora mais divertida de África"...
- Isso tem um pouco a ver com a estética da tradição oral. Quando os assuntos são muito profundos é preciso aligeirar. Já fiz isso com o livro anterior, em que o tema era a poligamia. De vez em quando tenho de fazer paragens para suavizar e dar um equilíbrio emocional ao leitor."

segunda-feira, 24 de março de 2008

De Irmão para Irmão

Edmundo,

Pedes-me que te caracterize. Pode parecer fácil, mas tu sabes que não é empresa fácil falar-se de um irmão, dificuldade acrescida ainda pelo facto de sermos irmãos etariamente próximos, além de amigos. Quando me falaste deste teu desiderato, lembro-me de te falar destes inconvenientes, e também de tu me insistires e eu não te conseguir demover. Creio, agora, que a insistência derivou do facto de saberes que é difícil recusar-te algo, ainda por cima de tão íntimo.
O que diria então de ti, Edmundo? Muito e pouco. É afinal isto que fazemos ao longo da vida cada vez que falamos.
A primeira coisa que te digo é que ao nascermos a seguir um ao outro impôs-se que percorrêssemos, praticamente, caminhos comuns, fecundássemos sonhos comuns e passássemos sedes e fomes comuns, vicissitudes que nos terão sedimentado valores comuns da vida. É por isto que muito do que te vou dizer não passará de um simples exercício de recordações.
Recordo-te que nascemos ambos em Inharrime, eu em Dezembro de 1952, e tu em Agosto de 1954. Um ano depois de tu nasceres, a nossa mãe foi transferida para Moamba, e tu acompanhaste-a, indo eu para a casa do nosso avô materno, o Rev. Jossefa Nhatitima, em Matacalane, no hoje distrito de Morrumbene. Não te lembras, e eu também só me lembro muito tenuemente por causa da nossa reduzida idade, que chorei amargamente por esta separação. Em 1959, porém, a mim te vieste juntar, recebendo dos nossos queridos avós a mesma educação, traduzida no rigor, no altruísmo e nos valores morais do metodismo, que penso ainda hoje guiarem as nossas vidas. Eis, provavelmente, uma característica que, mais do que a mim, te marca a existência: partilhares tudo com toda a gente, sem olhares a prejuízos que tal provoca em ti e aos teus mais próximos.
Prosseguindo, recordo-te também que alternavas a estadia em Matacalane com permanências mais ou menos prolongadas na Missão Metodista de Cambine, em casa do nosso tio Samuel Simão Sengo, antes de nos juntarmos, definitivamente, à nossa mãe, na Moamba, em meados dos anos sessenta, embora vivêssemos em Lourenço Marques, onde estudávamos.
Lembras-te que foi nos subúrbios laurentinos que também começámos a pequena labuta pela vida, nomeadamente vendendo hortícolas e legumes nos seus pitorescos bazares; lembras-te certamente da estratégia que junto congeminámos para a rápida fluência das nossas vendas, nomeadamente ao anuíres em ficar à frente da banca para que a curiosidade de seres ruivo atraísse clientes para os nossos produtos.
Também te lembras que foi em 1968 que acompanhámos a nossa mãe Cristina a Cabo Delgado, para onde fora transferida, como quadro da Saúde. Vês como já se passaram 40 anos, Edmundo? Lembras-te como foi em Cabo Delgado que iniciámos e percorremos a nossa juventude, uma fase da vida passada com intensas leituras, com muitos filmes e música dos tempos mais áureos do rock, razão para termos desenvolvido e formado modelos comuns da sétima arte e de literatura, um «ouvido» comum? Lembras que depois destes percursos viemos a encontrar-nos, por acaso, na Rádio Moçambique?
Apesar da acentuada convergência dos nossos percursos, há sempre pontes que tivemos que atravessar sozinhos, montes que escalamos sozinhos, vontades que adoptamos por circunstâncias próprias da nossa isolada existência. E como te vejo caminhando por esses atalhos, Edmundo?
Sabes que no nosso círculo familiar sempre te reconhecemos talentos e virtuosismos ímpares, qualidades com que nos deixas muito orgulhos. No que fazes, ou te dispões a fazer, poucos te questionam a qualidade. Mas se calhar é aí onde encontro algo, pequenino que seja, que permite atrever-me a contestar de ti. Penso, todavia, que é este o grande problema de alguns daqueles que foram escolhidos por Deus para provar a Sua infinita sabedoria: o pensarem que podem superar a justa medida dada por Deus para a expressão do talento.
Creia-me, meu irmão, que é quando pensas que algo estranho ao teu carácter te pode levar à superação das muitas qualidades que tens que menos gosto de ti.
Magoei-te? Espero que releves a minha sinceridade. Mas saiba que só pessoa que muito te ama pode ser tão sincera.
Do teu irmão amigo,

Luís
Maputo, 24 de Março de 2008

terça-feira, 11 de março de 2008

Os Devaneios de Um Jornalista Esfomeado

À minha mulher e filhos que, como tantos outros moçambicanos,
“passamos mal” por falta até de uma côdea de pão

Isto não é uma descoberta que me dê o direito de a patentear. Nada disso. De facto: todos nós a experimentamos sempre que alguém ou algo nos amua – normalíssimo.
Há daqueles dias em que se chega a casa, ombros duros que nem pedra, ar de macambúzio e um “olá” neurasténico à cama(...)rada e... Uf, que vida esta porra, um gajo esfola-se, sua que nem burro, o fito é “a vida vai melhorifar e... “tens aí dinheiro para uma de leite, arroz e ...” lá está mais esta, não, o bisini não deu, foi assim uma cabeçada e pronto, lá tem de se curtir uma de olhar para tudo e para nada até fomesonecar e sonhocar com os opíparos pratos que no banquete se deixam para manter um visual que se não tem e vinhaços em garrafalusadas sanguinhaladas mas qual quê... Heim? Quem? O teu tio está aí na sala bom já vem mais este e logo hoje diga que tô a descascamar o inferno do job não vais fazer uma coisa dessas ao teu antigo protector teu novo protegido afinal ... Bom família é assim mas hoje não dá meu. Bô tarde tio Fabião anda-se Didi só a tua tia está constipada (ou constifomeada) é o tempo calamitoso deste país que ... bom é que eu estou assim um pouco down e tacos faltam também tio talvez quinta uns dolarzecos se consigam e no Central trocam-se a bom preço não há problema até quinta. Novo problema: dorminhocar já não dá e pega-se na Tempo/1000 (1) com capa que não distrai só distrai-nos na profissão o Chachuaio irrita e repete duzentos e trinta deslofomeados receberam cinco quilos de de soja cada e eu desloresidente com fome a grevar e que cassete está aí? Chuck Mangione? Clack no play stereofónico bem a Sony numa sala soando fome mangionando Sing a Song a Freedom Song queria era estar livre deste barrigalhar que percurte aqui nas entranhas que nem Paulinho da Costa mas lá distrai-se e esquece-se e uma nota assim esquisita do flugerhorn nos transporta pra lá deste país afinal há coisas maningue naices noutras paragens sim Nairobi é outra coisa mas ... porra só porque se noticia “eh pá Quénia sida é merda...” mas caguei pra isso a Zaína era bem boa e aquela "John Garang" sudaneando o rabo na 2000 eu vou lá quando Dlakhama fôr imporautorizado para sentar sim Dlakhama Nairobi Zaína Chissano Garang Moi negociação mas .... cinco civis foram deste para ... onde? Quando uma turba de irmãoarmados matraquearam uma coluna de viaturas na estrada nacionalibandida e na resposta recuperou-se um saco de arroz ... Heim, arroz? Eh pá logo como vai barrigar é preciso inventar mola senão os putos dão assim umas MilesDavisdadas bem chatas ok Chuck és bom...
Olha meu chefe marca falta e é um bônus de ineficiência na cara chau minha vou tentar aquele bisini o arroz passo por lá no dumba da Mafalala as dezassete mas porque o Craveirinha não fala daqueles dumbanengueiros logo ali em frente da sua porta? ser mulato despoesado não é nada bom ouve lá são catorze horas e já devias estar na greve porque as quinze temos que dizer bem dos trabalhadores e dos chefes quer dizer equilibrar as posições senão és a favor dos trabalhadores tá bem chefe Nós aqui só exigimos que nos paguem os dois meses de salário nem natal nem ano novo não vamos tchotcholojar mas isso va-lá mas agora os meus filhos quatro contos cada um doze no total para matrícula não vão andar na escola este ano porque o patrão não pagou quanto ganha? Vinte e dois contos mas a matrícula é doze ficas com dez como desenrrascas isso? bom uma batida de açucar milho arroz dos navios das calamidades agente aguenta-se só aqui a OTM só sabe vigiar e não nos defende mas eles nem tem problema o Xico que era como nosoutros na OTM hoje ... porra o gajo tem assim um Toyota esqueceu-se dagente Hewena... Jossia tá aqui a Rádio a grevar a malta diga-lá qualquercoisada ... Hé, me chamo Jossia estivaladroeiro nós só pedimos o nosso dinheiro e o décimo terceiro mas olha décimo terceiro só quando a empresa faz taco taco? porque os chefes receberam refresco e mazumana cada um no fim do ano agora nós também queremos refresco e mazumana senão o valor em mola Mas greve por causa de um kilo de amendoim? Não queremos saber se eles não desenrrascam isso não saem do gabinete nós fechamos amakiya estão aqui conosco Trabalhadores dos Come Farinha Mahala entram em greve – este o assunto em destaque nesta repetida edição do Rovuma ao Maputo está com a Revolução Moçambicana hoje copiado e deferido por Magunhungo Bandido Armado, oh ... não, Galiza Matos segue-se o seu desenvolvidanado com o Chachuateado aos microcrucificados há muito por uma mordaça bem moçambicana Moçambicano ainda existe? Ou é uma espécie acabada espécie chorada espécie esfomeada, não, não existe, existiu ... foram as notas dórédóré ciadas do país e do mundo ... agora a grevação nos Come Farinha Mahala e blá blá blá chegamos assim ao fim da nossa reedição deste nosso boloenchido desinformado boa noite ouviram? Claro que não porque o Xirico aqui VOA prá Africa de língua oficial portuguesa Tomé Mbuia caia João Dlakhama afirmentira greves em Moçambique são obra da Reina Na matança Moçambicana besta de carga é o que você é...
Vá no Dumbapungar porque os putos estão cansados de desbrincar com barrigadelas ariovazadas quanto me roubas por esta lata setecentos e cinquenta paus põe neste saco mas... deitaste alguma coisa? parece que sim chau... alô pessoal tudo bem por cá? Mundinho acende o fogão a gás Deodato vai buscar agua lá em baixo esse gericam é pequeno transporta o de 25 litros nos ombros dos teus ten age é para fazer o arroz há festanimação aí? Que ouves Maninho? Lambada? Essa badamecada não entra aqui pois tu só trazes cassetadas prá aqui fiufiómbrumblam jazz o caraças, olha os meus filhos não devem gostar dessas lambuzadas aqui só coisa de erudito erudita é a tua fome bem vamos lá ver põe lá a panela no lume mas isto é arroz ou xima? Come lá vocé sim sim obrigado papá ... um palmarpulmonarfumado e Tucho traz aquela cassete, aquela que o papá gosta? Sim essa mesmo e Spyra te daqui vai dar um Gyro teu pai quer curtir um espectáculo marimbar uma Dave Samueladas teclaminar uma Tomschumada trompetear uma Jayada bem Estreinada na baixada do Quimzumbada Stneteada Cheticatalogada na Gibson 335 onde só zumbi congadas noite adentro e Geraldomamente Velezadas e ... senhores e senhoras escutenção agora e aqui a composição que se impõe necessária para voltarmos a ser nós mesmoçambicanos: “Conversations”, uma música de quinze minuanos totalmente desconversados pois escutemos então – para este tiro da AKM vai uma teclapaz de quem quer que premiu o gatilho; para esta bazucada, de quem? Não interessa, vai assim o ribombar de uma batida da Yamaha de Eli Konikoff, para o matraquear da metralhadora “kalashi” vai esta marimbada de Dave Samuels (que machope, meu Deus), a resposta mais certa para a obusada ou do leão da floresta artificial interponha-se a “A Hundred Year Old ¾ Scale Acoustic Bass” do Kimzinho “Pedrado” Stone e, oiça meu caro amigo, ao sibilar do teu Mig desajeitado ponho nas tuas patencias o deslizar lizo mas harmónico como a paz dos dedos de Chet Catallo na Gibson 335 e... para finalizar uma assopradela bem compassada e melancolicamente sempre presente do já “está aí a paz” Benstreinada para durar porque ... esta “Conversations” que ouviram (agora aclamem-na e proclamem-na) foi ensaiada para durar isto aconteceu em conversações de 17 a 19 de novembro de 1983 numa Florida sem mácula há quase sete anos aprendamos bem as suas notas porque senão chumbamos como temos vindo a chumbar há quase 15 anos... O QUÊ, NÃO CONCORDAM? OU OUVIRAM MAL?.

(*) – Edição N. 1000 da Revista Tempo.
- Escrito na madrugada de 27 de janeiro de 1990, algumas horas depois do meu regresso de Nairobi, Quénia, onde acompanhei o então Presidente Joaquim Chissano, numa tentativa de um encontro a sós com o Afonso Dlakhama, patrocinado por Daniel Arap Moy. O encontro não chegou a realizar-se, ao que mais tarde vim a saber.

terça-feira, 4 de março de 2008

"Auto-Estima", por onde andas? Com o "Macomia", concerteza

A todos os moçambicanos com estima

Estou em crer que a campanha “Made In Mozambique” em curso no nosso país não é nada menos nada mais do que a valorização do que é nosso; não é nada mais nada menos do que o vincar do nosso orgulho como moçambicanos, da nossa identidade como povo e de que somos capazes de de “produzir e consumir moçambicano”
Enfim – é a auto-estima.
Uma auto-estima que, depois de vários anos adormecida, começa agora a vir ao de cima. Inclusivê em mim próprio.
Conto um simples episódio: Há mais de dez anos que não ia aos campos de futebol: Os resultados desastrosos da nossa Selecção, “os Mambas”, a fraca qualidade dos jogos do Moçombola, fizeram-me “fugir” dos estádios.
A dada altura constato, e certamente tantos outros como eu, que os “nossos rapazes” estavam a metamorfesear-se. Ou seja: “Mambas” e não “Minhocas”.
No jogo contra a seleção do Senegal reconciliei-me com os jorgadores e com a equipe técnica; Vibrei com a exibição da nossa turma; Os mais de trinta mil expectadores presentes no Estádio da Machava, trajados à rigor com as cores nacionais; tudo isso e mais alguma coisa, tiveram o condão de me sentir de novo orgulhoso de ser moçambicano.
Porém .... há ainda lacunas nesta questão da nossa auto-estima.
Explico-me:
Como é possível ver nas cidades, ruas e avenidas; nas aldeias mais remotas; nas vilas e em tudo que é local de divertimento; como é possível ver crianças, jovens e até adultos trajando camisetes, lenços e cascóis de um país qualquer da longiqua Europa, das Américas ou da Ásia? Isto é uma aberração; é simplesmente uma nova colonização cultural. Desportiva, essa já é patente, propagada até, estou em crer que por razões meramente comerciais
Como se compreende que num jogo de futebol em que os “Mambas” medem forças com outra selecção, vermos um jovem trajando camisetes com as bandeiras norte americana, portuguesa, brasileira e se calhar da Birmânia? O que é isto?. É tudo menos auto estima....
Interrogom-me igualmente se cidadaões daqueles países andam pelas ruas das suas cidades com as cores e símbolos moçambicanos. Se calhar até nem sequer ouviram falar de um continente chamado Africa e muito menos de um país que dá pelo nome de Moçambique. E ..... nós, coitados.... andamos por aqui a exaltar símbolos que nada têm a nada ver conosco.
A culpa de quem é? Nossa, não há dúvida.
Ainda sou capaz de entender que um pobre camponês se exiba com uma camisete de equipas de futebol estrangeiras, como o Porto e o Benfica de Portugal; como o Manchester ou Liverpool da Inglaterra; do AC Milão ou Inter da Itália. O camponês, porque pobre, compra aquilo que lhe vem nos fardos de roupa usada porque barata.
Agora: jovens das cidades e não só, minimamente desafogados, como é que não andam trajados com aquilo que é nosso? Porque não exibem camisetes de equipas como o Costa do Sol, Desportivo de Maputo, Associação Desportiva de Pemba, Chingale de Tete, etc... Exibem-se, sim, com o que não é deles. Alienação cultural.
Dirão alguns: as vestimentas com símbolos nacionais ou de clubes do nosso país são bastante caros. Pode ser verdade.
Quanto custa uma bandeira nacional, uma camisete, um cascol ou um boné com dizeres MOÇAMBIQUE – um balúrdio.
A terminar: os que estão à frente desta ofensiva para resgatarmos a nossa auto-estima que se empenhem em popularizar o que é nosso em termos de simbolos.
E já agora, em jeito de gozo, perguntei um dia destes a um dos mais simpáticos e prestativos serventes da empresa – O "Macomia" como é conhecido – se era adepto do Sporting ou do Benfica de Portugal, ao que muito rapidamente ripostou – “Sou do Sporting de Quelimane". Até o “Macomia”....Ayumeeeé
Orgulhosamente Moçambicano


* Radiodigundido na Rádio Moçambique em 20/Agosto/2007


segunda-feira, 3 de março de 2008

LIBERDADE

“Existe uma chave para a liberdade: Pense! Se quiseres ser um cordeiro, seja feita a tua vontade. Não reclames, entretanto, quando fores servido em nosso grande Sabbath!”
(Um “bem velho” dito pagão, do século XX)