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quinta-feira, 17 de julho de 2008

Drogas, Paixão, Confissões de uma primeira-dama?

''Você é minha droga/ Mais mortal que heroína afegã/ Mais perigosa que a branca colombiana.'' O extrato pertence a Tu Es Ma Came (Você é minha droga), a quarta faixa do álbum Comme Si de Rien N''Était, lançado em Paris na sexta-feira pelo selo Naive (do francês, ''ingênuo''). O disco, um ensaio em tom melancólico que prioriza o tempo como tema central, vai do pop ao bluegrass, passando por toques eventuais de folk e jazz. E tem na voz rouca - um tanto monótona - e nas letras de Carla Bruni seu charme e uma polêmica: é o primeiro disco lançado após seu casamento com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que lhe conferiu um novo status político no país. Daí a pergunta: seriam as letras confissões de primeira-dama?


Antes mesmo de ser lançado, Comme Si de Rien N''Était era sucesso de público. Disponível no site www.carlabruni.com, a obra foi acessada mais de 500 mil vezes entre quarta e sexta-feira. Com produção de Dominique Blanc-Francarc, o álbum tem 42 minutos, divididos em 14 músicas, com 11 letras compostas pela cantora. Três atrações extras são La Possibilité d''Une ?le, adaptação do poema - também livro e futuro filme - do escritor francês Michel Houellebecq, e as regravações de You Belong to Me, de Bob Dylan, e Il Vecchio e il Bambino, do anarquista italiano Francesco Guccini.


É, em linhas gerais, um disco que mistura ternura e angústia. É doce porque, às vezes de uma forma elegante, é romântico; e é amargo por ter na nostalgia seu fio condutor. Essa temática surge já na primeira música, Ma Jeunesse, um tanto alegórica, que se inscreve na tradição francesa - embora sua autora seja italiana. Tem ritmo marcado pelo piano, um fundo à voz equilibrada de Carla, que entoa suavemente versos como ''minha juventude me olha cruel''.


Então se segue La Possibilité d''Une ?le. Bateria, baixo, teclado e uma guitarra de acordes discretos compõem um conjunto triste e emolduram a voz, da qual Carla parece conhecer os limites. Ela canta, adaptando com charme o poema de Houellebecq: ''Il a fallu que je connaisse/ Ce que la vie a de meilleur/ Quand deux corps jouent de leur bonheur/ Et sans fin s''unissent et renaissent.'


'L''Amoureuse, a terceira faixa, tem batida mais pop. É uma das músicas de trabalho do disco e, de quebra, a que mais inspira alusões à sua relação com Sarkozy - não necessariamente verdadeiras, já que as letras vinham sendo escritas há dois anos, desde No Promises, seu segundo trabalho. Mas, para prazer da imprensa européia, que foi seduzida pela beleza, ousadia e charme discreto da nova primeira-dama - além de destilar um gosto especial pela ''política-espetáculo'' -, Carla descreve seus braços como asas e completa no refrão: ''Eu estou apaixonada por você/ E eu canto por você a única das coisas pela qual vale estar aqui.''


Depois de encontrar declarações de amor, os que buscam nas letras da cantora seu testemunho de vida ficaram assombrados com o conteúdo de Tu Es Ma Came. Em ritmo de blues, ouve-se: ''Você é minha droga/ Meu tóxico, minha voluptuosidade suprema/ Meu encontro e meu abismo/ Você floresce no mais doce da minha alma.'' Mais à frente, Carla faz as referências à heroína afegã e à ''branca'' colombiana, banais no mundo artístico, mas inesperadas na boca de uma primeira-dama. (A prova de que nem tudo o que ela fala é interpretado como informalidade é a reação do mundo político. Fernando Araújo, chanceler da Colômbia - o país que fornece 90% da cocaína consumida nos EUA -, protestou com ironia: ''Essas coisas acontecem quando misturamos política com espetáculo.'')


Após o baque, em Salut Marin, Comme Si... parece cair no marasmo. Percebe-se então certa monotonia que levará à conclusão de que o disco é chato. Os arranjos continuam de bom gosto, e flautas, saxofones e harmônicas emprestam cores às músicas, mas fica claro que a receita se repete. É assim com Ta Tienne e Péché d''Envie. A versão de You Belong to Me, em voz e violão, deixa claro o limite de Carla como cantora, mas tem o mérito de quebrar a fadiga. Em Le Temps Perdu, a primeira-dama volta à sua temática central, lembrando o estilo da francesa Olivia Ruiz, sucesso na França em 2006 e 2007 com o álbum La Femme au Chocolat.


Já em Déranger les Pierres, Carla acentua a melancolia e a chatice e em L''Antilope - que já gerou um primeiro clipe, com bastidores da gravação - e Notre Grand Amour Est Mort deixa a sensação de que talvez fosse melhor acabar mais cedo. Mas não: Il Vecchio e il Bambino acaba sendo agradável surpresa, talvez pela única oportunidade de escutar a cantora em sua língua materna.


Comme Si de Rien N''Était não é um desastre. Homenagear a ''branca colombiana'' - coisa que um de seus ex, Eric Clapton, fez com bem mais bom gosto em Cocaine - também não torna Carla Bruni uma iconoclasta que se une a seu marido para dessacralizar as funções de presidente e primeira-dama, como se apressaram a apontar alguns críticos do governo francês. Talvez a melhor opção seja encarar o álbum como o próprio título recomenda, ''como se nada estivesse acontecendo''. ''É uma frase que ilustra bem como eu fiz o disco, uma maneira dura, mas também tenaz, como se nada estivesse acontecendo em relação à minha posição de hoje, de mulher'', disse Carla, em entrevista à rádio France Inter - a única promocional que concedeu, na qual desmentiu vínculo entre seu trabalho como compositora e sua condição de mulher de presidente. ''Não é o meu casamento com o chefe de Estado que me causa dúvidas. Minhas dúvidas são se as canções são boas.'' Não apenas as dela, claro.

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