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quinta-feira, 17 de julho de 2008

Batman, Heroísmo e democracia



Por Luís Carlos Merten

Ele é impressionante, sim, e a pergunta que você vai se fazer, aturdido diante da sensacional criação de Heath Ledger como Coringa, é - de que zona sombria de sua personalidade o ator retirou a inspiração para seu anarquista tão intenso e radical? A morte prematura de Ledger, no começo do ano, com certeza vai transformar o Coringa no foco de interesse de Batman - O Cavaleiro das Trevas, mas você vai ver que a importância não é só midiática. O Coringa é o oposto que completa o herói. São antinômios perfeitos. O herói e sua projeção explosiva, ou negativa. Mas será injusto com o Batman de Christian Bale e o próprio filme de Christopher Nolan se, de repente, Heath Ledger virar o ''plus a mais'' do blockbuster que toma amanhã de assalto centenas de salas de todo o País.


Se Batman - O Cavaleiro das Trevas é uma tragédia, o pathos passa por Bale e seu herói torturado, não pelo Coringa, nem por Harvey Duas Faces, o outro vilão, interpretado por Aaron Eckhart, que começa o filme do lado do bem e realiza uma passagem para o lado escuro da própria força. Coringa começa o filme como um vilão acabado, o louco que, como diz Alfred, o mordomo a quem Michael Caine dá humanidade e fleuma, quer ver o circo pegar fogo. Harvey é o vilão que se constrói perante os olhos do espectador, como Annakin Skywalker, passando para o lado escuro para virar Darth Vader em outra série, Star Wars. Mas a pergunta persegue o espectador - como Heath Ledger virou esse louco que age e ri de maneira sinistra, e antecipa reações do Homem-Morcego e de Harvey para fazê-los cair nas ciladas que prepara?


Ledger começou como herói teen, fazendo o filho de Mel Gibson em O Patriota, de Roland Emmerich, e o escudeiro que sonha alto em Coração de Cavaleiro, de Brian Helgeland. Muita gente considerou um ato de coragem - ou de suicídio artístico - que um jovem ''viril'' tenha embarcado na aventura de dar alma ao pastor gay de O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee. Veio depois o poeta junkie de Candy, de Neal Armfield. Heath Ledger já vinha flertando com sua porção destrutiva, mas seria mera especulação fazer uma ponte entre os personagens recentes e a morte por overdose. O Coringa, de qualquer maneira, seria um ponto de não retorno de sua carreira. Terá ele percebido isso?


Para tristeza - ou desespero - dos críticos que gostam de generalizar e descartam, em bloco, os blockbusters de Hollywood, Batman - O Cavaleiro das Trevas é mais uma prova de que existe vida inteligente no cinemão. Desta vez, quem fornece a evidência é Christopher Nolan, que já havia feito Batman Returns, renovando a franquia reiniciada por Tim Burton em 1989. Nolan surgiu com dois thrillers, Amnésia, famoso por contar sua história de trás para a frente, e Insônia, no qual ele subverteu o próprio conceito do filme noir, fazendo com que sua história de crime se passasse no dia eterno do Ártico.


É possível perceber agora que, na verdade, Nolan, consciente ou inconscientemente, já vinha se preparando para O Cavaleiro das Trevas e, em especial, para a cena do andaime, quando Batman suspende o Coringa pelo pé e a câmera descreve um momento para igualar o homem invertido - metáfora moral - e o herói. Tudo converge para essa cena e o herói penitente passa o tempo todo brigando consigo mesmo. O desejo de vingança, após a morte dos pais, transformou Batman num justiceiro, mas ele se questiona o tempo todo sobre seu papel na sociedade. O filme é sobre a organização social, sobre a necessidade ou não de heróis, sobre os riscos que mesmo o heroísmo impõe à democracia. Tem tudo a ver com os EUA de George W. Bush e, curiosamente, embora esta não fosse a intenção, com o Brasil em que os policiais estão virando piores que bandidos para o trabalhador. Grande filme.


Preste Atenção...


...nas locações reais em Hong Kong e Chicago. A cena de Batman no edifício Sears Tower foi feita pelo próprio Christian Bale, sem dublês, de tal maneira o ator incorporou o personagem. Pena que no Brasil ainda não existam cinemas imax. São 6 cenas nessa tecnologia, como a dos saltos do avião e do edifício, para dar a vertiginosa sensação de vôo livre, inédita numa obra de ficção...


...na voz do Coringa. O diretor baseou a composição física do personagem em Johnny Rotten (Sex Pistols) com uma pitada de Iggy Pop, mas a voz aterrorizante e cavernosa foi criação de Heath Ledger...


...na fotografia. Nolan e o fotógrafo Wally Pfister criaram novo estilo. Escureceram as bordas da tela, criando imagens mais escuras das quais os personagens parecem saltar como figuras expressionistas, aprimoramento do que Tim Burton fez no Batman de 89...


...na sinistra ambivalência do Coringa, que ''contamina'' o herói e o leva para áreas também sombrias. Batman não é mais filho do otimismo pré-Guerra Mundial de Bob Kane e também vai adiante da desilusão pós-Vietnã que criou o Cavaleiro das Trevas. O novo Batman e o Coringa surgem num mundo em chamas - os créditos iniciais - marcado pelo terrorismo.

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