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Cascatas da Namaacha: sete anos depois da seca

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O Jazz e os Gatos

À Anabela Adrianapoulos e Carlos Silva, com amizade

“Babbiti” é o personagem sobre o qual gira toda a história de um apaixonante romance do escritor Sinclair Lewis, norte-americano, escrito em plena época da grande depressão dos anos 30 porque passou a economia dos Estados Unidos; um personagem que encarna, notavelmente, o modo de vida, a mentalidade, os gostos, as alegrias e contrariedades de um pequeno burguês no meio de uma sociedade que media os homens apenas em função dos valores que possui na sua conta bancária.
Sem nunca cair em descrições enfadonhas e exageradamente pormenorizadas, Lewis consegue em Babbiti espelhar com profundidade uma época bem determinante da história dos EUA, logrando desse modo – para os pouco familiarizados com a história do país – pôr à disposição de quem o lê, factos importantes das lutas dos operários americanos por melhores condições de vida e a consequente resposta da burguesia para fazer gorar tal objectivo, socorrendo-se da pequena burguesia e, afinal de Babbiti.
Gostava o nosso homem de muita coisa, mas principalmente do seu lar (mulher e dois filhos), do seu Ford, dos seus comparsas no clube da classe, de tomar uns copos de duvidosos Whisky e Gin (na altura imperava a lei seca) e também das “farras”, o que lhe permitia escapar das suas próprias frustrações. O Jazz ... sim o Jazz era uma das suas paixões.
“Sempre preferi um bom Jazz a qualquer sinfonia de Beethoven, que não é mais melodiosa do que uma data de gatos em cima de um telhado de zinco e que nem sequer dá para ser passada ao assobio” – assim definia a sua paixão por aquele género de música, para grande perplexidade dos seus amigos, que a consideravam própria de arruaceiros.
Embora um pouco relutante em confessa-lo – que me perdoe o mestre e colega Carlos Silva – sou solidário com Babbiti, embora separados por uma longa distância no tempo e espaço. Considero no entanto, que a comparações entre aquele Clássico e a “orquestra de gatos” é um sarcasmo demasiados contudente e que, de modo algum, pode retirar todas as qualidades de Beethoven e de outros contemporâneos seus.
Um Beethoven de quem não nutro qualquer interesse – a ele e outros – porque, acredito, não fui educado para ouvi-lo e muito menos compreendê-lo; antes pelo contrário, de forma indirecta, fui educado para manda-lo à “fava” sempre que o oiço.
Vem tudo isto a propósito do programa “Clube de Jazz” apresentado na nossa televisão e que considero uma feliz iniciativa, bem enquadrada, nos esforços da TVE de melhorar a sua programação. O “Clube de Jazz”, vem logo a seguir à telenovela “Roque Santeiro”.
Ora, é conhecido o facto de o jazz ser quase, em todo o mundo, ouvido e apreciado por um número restrito de pessoas, ao contrário do que se passa com a chamada música “popular” – demasiado simplista, pouco ou nada trabalhada artisticamente. Para os amantes da “popular”, o jazz, certamente, não passa de um género musical interpretado por cem gatos terrivelmente esfomeados e metidos subitamente num saco com igual número de ratos bem gordinhos – Uma “band” dessas só é comparável ao “Calypso Frelimo” de Miles Davis.
Como profissional de rádio – por isso mesmo intervindo no nosso espectro cultural – tenho presente que a educação musical é importante para cultivar o gosto pela boa música, procurando levar toda a audiência, no mínimo, a apreciar e a valorizar o bom e a rejeitar as “ladaínhas”, os “chorinhos”, os “amores falhados”, etc., e tanto lixo musical que por este mundo fora se divulga e se ouve – literalmente, de música que não vale um níquel.
Daí que considere louvável a iniciativa da TVE em apostar na divulgação do jazz, pese as limitantes. Considero igualmente oportuno que a Rádio Moçambique dê um passo nesse sentido, apostando em programas sobre aquele género.
Desconheço ainda qual o impacto que o “Clube de Jazz” tem tido no seio dos telespectadores (é cedo para uma avalição) mas estou certo de que, logo após o “Roque”, a maioria deles levanta-se do sofá e... cama, com os ouvidos sintonizados com “chora, coração...”.
De qualquer forma acho que o objectivo do programa será alcançado e porque assim será, porque não a inclusão de um programa do género mas desta feita virado para a música clássica?
São investimentos necessários porque, a não ser assim, corre-se o risco de se alienar ainda mais, em termos culturais, um público espectador e ouvinte já bastante deformado, pelo menos no plano musical. E isto não só em relação ao jazz e ao clássico, como também em relação a um outro género válido e ... quem sabe para uma orquestra de gatos, cujo miar poderá ter inspirado Dave Gruisin em “Cats of Rio”.

Nota – Este artigo de opinião foi escrito e publicado no semanário “Domingo” em 1989, num contexto de grandes dificuldades para a aquisição de música estrangeira; quando a estatal TVM ainda era experimental; e só alguns “gatos pingados” tinham um aparelho de televisão em casa, enquanto a maioria dos cidadãos eram obrigados a assistir ao pequeno ecran nas sedes dos Grupos Dinamizadores.

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