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Cascatas da Namaacha: sete anos depois da seca

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Leia trecho de 'O Africano', um romance de Le Clézio

O Africano é um livro ilustrado com fotos do arquivo particular do seu autor, o agora Prêmio Nobel de Literatura Jean-Marie Gustave Lé Clézio, e conta uma história com traços ficcionais e auto-biográficos narrada por um homem que reconstitui o percurso do seu pai como médico militar nas colônias inglesas em África e ao mesmo tempo procura entender a sua infância passada entre a Europa e o continente africano.

Leia trecho do primeiro capítulo:

“A África era mais o corpo que o rosto. Era a violência das sensações, a violência dos apetites, a violência das estações. A primeira lembrança que tenho deste continente é a de o meu corpo coberto por uma erupção de bolhinhas causadas pelo extremo calor, uma afecção benigna de que os brancos sofrem quando chegam numa zona equatorial, com nomes cômicos como brotoeja ou borbulha. Estou na cabine do navio que avança lentamente pela costa, ao largo de Conakry, Freetown, Monróvia, nu na caminha, a escotilha aberta ao ar húmido e o corpo polvilhado de talco, com a impressão de estar num sarcófago invisível ou de ter sido apanhado como um peixe em puçá e passado na farinha antes de ir à fritura. A África, já me tirando o rosto, dava-me um corpo dolorido e febril, esse corpo que a França me ocultara na doçura anemiante da casa de minha avó, sem instinto, sem liberdade.

O que eu recebia no barco que me arrastava para aquele outro mundo era também a memória. O presente africano apagava tudo que o tinha precedido. A guerra, o confinamento no apartamento de Nice (onde, nos dois cômodos de uma espécie de água-furtada, éramos cinco a viver, aliás seis, contando a empregada Maria, de quem minha avó resolvera não abrir mão), as rações, ou então a fuga na montanha, onde minha mãe se escondia por medo de ser levada pela Gestapo - tudo isso se apagava, desaparecia, tornava-se irreal. Daqui em diante, para mim, só existiria antes e depois da África.

A liberdade, em Ogoja, era o reino do corpo. Ilimitado, o olhar, do alto da plataforma de cimento na qual fora construída a casa, semelhante ao habitáculo de uma barcaça sobre o mar de capim. Se faço um esforço de memória, posso reconstituir as fronteiras vagas desse domínio. Alguém que
houvesse conservado a memória fotográfica do lugar se espantaria com o que um menino de oito anos era capaz de aí ver. Um quintal, sem dúvida, não um jardim recreativo - existiria nessa terra alguma coisa que fosse para recreação? Era mais um espaço utilitário, onde o meu pai tinha plantado fruteiras, mangueiras, goiabeiras, mamoeiros, e que servia de cerca-viva diante da varanda, laranjeiras e limeiras cujas folhas, quase todas, as formigas uniam para fazer ninhos aéreos, repletos de uma espécie de penugem felpuda que abrigava os seus ovos. Em algum canto, mais para trás da casa, no meio do matagal, um galinheiro onde coabitavam galinhas e galinhas-d'angola e cuja existência não me é assinalada senão pela vertical presença no céu de abutres nos quais o meu pai, de vez em quando, atirava com a carabina. Mas digamos que fosse um jardim, já que a um dos empregados da casa cabia o título de garden boy. No outro extremo do terreno é que deviam ficar as choças dos serviçais: o boy, o small boy e sobretudo o cozinheiro, de quem minha mãe gostava e com quem preparava, em vez de pratos à francesa, a sopa de amendoim, as batatas-doces assadas ou o fufu, uma papa de inhame que era o nosso trivial. De quando em quando minha mãe se lançava a experiências com ele, fazendo compotas de goiaba, mamão cristalizado ou ainda sorvetes de frutas não cremosos que ela batia à mão. Nesse quintal, sempre havia crianças, em grande número, que chegavam pela manhã, todos os dias, para conversar e brincar, e das quais só nos separávamos ao cair da noite.

Tudo isso poderia dar a impressão de uma vida colonial muito organizada, quase citadina - ou pelo menos campestre, à moda da Inglaterra ou da Normandia de antes da era industrial. No entanto era a liberdade total do corpo e do espírito. Diante da casa, na direcção oposta ao hospital onde o meu pai trabalhava, começava uma extensão sem horizonte, com uma ligeira ondulação onde o olhar podia se perder. Ao sul, o declive conduzia ao vale nevoento do Aiya, um afluente do rio Cross, e às aldeias, Ogoja, Ijama, Bawop. Para o norte e o leste, eu podia ver a grande planície amarelada, pontilhada de colossais cupinzeiros, cortada por arroios e brejos, e o começo da floresta, as matinhas de gigantescos irokos e okumés, tudo coberto por um céu imenso, uma abóbada de azul muito forte onde o sol ardia e que era invadida, todas as tardes, por nuvens que traziam tempestades.

Lembro-me da violência. Não uma violência secreta, hipócrita, aterrorizante, como a conhecida por todas as crianças que nascem no meio de uma guerra - sair às escondidas, espiar os alemães de capote cinza a roubar os pneus do De Dion-Bouton de minha avó, ouvir remoer num sonho as histórias de tráfico, espionagem, expressões dissimuladas, mensagens do meu pai vindas por intermédio do cônsul dos Estados Unidos, Mr. Ogilvy, e sobretudo a fome, a falta de tudo, o diz-que-diz sobre as primas da minha avó se alimentando de cascas. Aquela violência não era realmente física. Era velada e oculta como uma doença. Minando-me o corpo, causava-me acessos incontíveis de tosse e dores de cabeça tão fortes que eu até me escondia, punhos enfiados nas órbitas, sob a longa toalha da mesinha de canto.

Ogoja dava-me outra violência, real, às claras, que fazia vibrar o meu corpo e era visível em todos os detalhes da vida e da natureza circundante. Temporais como depois nunca vi, nem sequer em sonho, o negrume do céu zebrado pelos raios, o vento que envergava as grandes árvores ao redor do quintal, que arrancava as palmas do tecto, rodopiava na sala de jantar, passando por debaixo das portas, e apagava os lampiões a querosene. Algumas noites, um vento vermelho, vindo do norte, dava brilho às paredes. Uma força eléctrica que eu tinha de aceitar, de domar, e em relação à qual minha mãe inventara uma brincadeira, contar os segundos que nos separavam do impacto do trovão, ouvi-lo aproximar-se, quilômetro após quilômetro, e depois se afastar para as montanhas. Uma tarde, quando o meu pai operava no hospital, um raio entrou pela porta e, sem barulho, se difundiu pelo chão, derretendo os pés metálicos da mesa de operação e queimando as solas de borracha das sandálias dele; depois o raio recompôs-se e, como um ectoplasma, fugiu por onde havia entrado para reintegrar-se ao fundo do céu. A realidade estava nas lendas.(X)

sábado, 23 de agosto de 2008

Celebridade, Obama pode ser o primeiro negro na Casa Branca



O candidato democrata à Casa Branca nasceu no Havaí e cresceu entre os Estados Unidos e a Indonésia. Em janeiro do ano passado, o senador Barack Hussein Obama, filho de um negro queniano e de uma americana branca, decidiu concorrer à Presidência. Durante quase um ano e meio, Obama, de 47 anos, enfrentou uma acirrada disputa pela indicação do Partido Democrata, que culminou nas eleições primárias, quando desafiou o favoritismo da rival Hillary Clinton. A 3 de junho, após uma sessão das primárias que foi até o último pleito, o senador venceu a batalha, assegurou a nomeação da legenda e tornou-se o primeiro negro a disputar a Presidência dos EUA.

A primeira aparição nacional de Obama, uma figura popular do Partido Democrata, foi num discurso que agitou a convenção nacional da legenda em 2004. O senador enfatizou a sua história pessoal num pronunciamento que reflectia os tradicionais ideais do sonho e esperança americana. "Pelo seu trabalho duro e perseverança, o meu pai conseguiu uma bolsa de estudos num lugar mágico - a América, que apareceu como um farol da liberdade e oportunidade para muitos outros que vieram antes", disse.

Meses depois, Obama teve uma vitória esmagadora e elegeu-se senador pelo Estado de Illinois. Desde então, o candidato democrata ganhou projecção na mídia americana e tornou-se um dos políticos mais conhecidos de Washington.

Trajetória

Após o nascimento de Obama, o seu pai, de mesmo nome, voltou ao Quênia. O democrata ficou com a sua mãe no Havaí e passou alguns anos na Indonésia. Mais tarde, Obama mudou-se para Nova Iorque, onde se formou pela Universidade de Columbia em 1983. Aqui graduou-se em direito e foi viver em Chicago em 1985, onde se tornou líder comunitário.


O sucesso das suas acções na comunidade levou o senador para a política. Em Chicago, ele trabalhou como professor de direito e defensor dos direitos civis. Durante a sua passagem pela Universidade de Harvard, entre 1988 e 1991, Obama tornou-se no primeiro negro a presidir o jornal interno da instituição.

Em outubro de 1992 casou-se com Michelle Obama, com quem teve duas filhas - Malia Ann, que nasceu em 1998, e Natasha, em 2001. Em 2004, já eleito senador, actuou como um forte defensor dos ideais liberais, mas também trabalhou com os seus colegas republicanos em outro projectos, sobretudo na consciencialização e prevenção da Sida.

Campanha

O lema da campanha presidencial de Obama é a mudança. Aproveitando-se da baixa popularidade do actual presidente George W. Bush, membro do Partido Republicano, o democrata propõe, entre outras questões, mudanças na política externa, no sector energético e na economia dos EUA.

Nas eleições de 2004, o eleitorado, ainda assombrado com o terrorismo, priorizava o debate sobre a segurança nacional, o que rendeu a reeleição de Bush e a continuidade da sua guerra contra o terrorismo. Neste pleito, a economia aparece no topo da lista das preocupações dos americanos, e Obama, de acordo com pesquisas recentes, sai-se melhor nesse quesito do que o rival republicano John McCain.



Apesar do seu pai e padrasto serem muçulmanos, o senador se diz cristão, e estudou em escolas católicas ou seculares. Durante as eleições primárias, Obama afastou-se da Igreja Unida Trindade de Cristo, após o pastor, Jeremiah Wright, ganhar destaque na mídia americana com os seus discursos controversos. Wrigh, que realizou o casamento do candidato democrata e baptizou as suas duas filhas, chegou a dizer que os EUA inventaram o HIV para exterminar as minorias. Em março, Obama, membro da igreja por quase duas décadas, anunciou o seu afastamento e condenou os sermões do reverendo.

Questão racial


Ao longo da corrida presidencial, a questão racial permeou a campanha de Obama.

Num discurso em março na Filadélfia, o senador falou abertamente sobre o assunto, ao rejeitar as palavras de Jeremiah Wright, que pouco antes havia feito um sermão da temática racial.

"No primeiro ano desta campanha, contrariando todas as previsões, nós vimos o quanto o povo americano está faminto por uma mensagem de unidade. Apesar da tentação de enxergar a minha candidatura exclusivamente pela óptica racial, conquistamos vitórias incontestáveis em Estados onde a população é predominantemente branca", disse Obama no discurso.

"Isso não implica dizer que a raça não tenha um papel nesta campanha. Em vários momentos, a imprensa definiu-me como negro demais ou negro de menos. Vimos essa questão ganhar forte repercussão na semana da primária da Carolina do Sul. A mídia vem procurando em todas as pesquisas de boca-de-urna os indícios da divisão racial", completou.

Popstar

Em julho, o senador democrata foi recebido como um astro pop em Berlim. Perante um público estimado em 200 mil pessoas, houve quem subisse em postes para ouvir o discurso de Obama junto à Colina da Vitória, no centro da capital alemã. A viagem foi parte de um périplo pela Europa e Médio Oriente, acompanhada com destaque pela imprensa internacional.

Nos EUA, o seu carisma resultou na "Obamamania". Os discursos do candidato no país são sempre acompanhados por empolgados eleitores. Muitos deles são jovens, que se identificam com a mensagem de mudança da campanha democrata.

Além da actuação na política, Obama é um escritor de sucesso. Os seus livros - A Audácia da Esperança (2007), A Origem dos Meus Sonhos (2008) e Dreams From My Father (2004) - tornaram-se best-sellers nos Estados Unidos.

Quando tem um tempo livre, o candidato democrata disse à revista especializada em música Rolling Stone que recorre ao seu aparelho de MP3 para ouvir Stevie Wonder, Bob Dylan, Yo-Yo Ma e Sheryl Crow. "Tenho gostos muito ecléticos", ressalta Obama, que cresceu na década de 70 escutando Stevie Wonder, Rolling Stones e Elton John. Alguns dos seus artistas favoritos expressaram publicamente apoio à sua candidatura presidencial, entre eles Bruce Springsteen e Bob Dylan.

Joe Biden vice-presidente de Barack Obama

O senador democrata Joe Biden, de 65 anos, será o candidato a vice-presidente dos Estados Unidos pela candidatura presidencial de Barack Obama.
A nomeação foi confirmada na madrugada deste sábado por uma fonte do Partido Democrático americano.



O nome de Joe Biden cresceu nas últimas semanas pelo facto do veterano democrata, no seu sexto mandato, ser presidente do Comitê das Relações Exteriores do Senado americano, o que, na opinião de líderes do partido, pode amenizar a inexperiência de Obama no assunto.A fonte oficial democrata que confirmou a informação pediu para não identificado mas sabe-se desde já que a escolha de Barack Obama será enviada por mensagem de texto e Email aos seus partidários ainda hoje.
Dois dos principais elegíveis, nomeadamente, o governador da Virgínia, Tom Kaine, e o senador de Indiana Evan Bayh, haviam saído da lista de prováveis candidatos a vice de Barack Obama.
Ainda hoje, Obama vai orientar um comício em Illinois, no mesmo local onde lançou a sua pré-candidatura, onde o anúncio de Joe Biden para todo o mundo é esperado. Nascido em Scranton, Pennsylvania, em 1942, Biden é um democrata liberal e católico descendente de irlandeses.
Representa o Estado de Delaware no Senado desde 1972 e está no seu sexto mandato, estando neste momento a presidir o comitê das Relações Exteriores do Senado e é considerado uma das maiores autoridades em política externa do partido. Na sua página na internet Joe Biden destaca dois artigos que escreveu neste mês sobre política externa, sobre o Afeganistão e a Geórgia.
No primeiro deles, o senador defende que o foco da luta dos Estados Unidos contra o terrorismo deve ser Cabul, e não Bagdád. No segundo, Biden critica a reacção desproporcional da Rússia contra a Geórgia e argumenta que a acção tem mais a ver com a influência geopolítica russa na região do que com a independência da Ossétia do Sul.Joe Biden votou a favor da guerra do Iraque, o que Obama foi contra desde o início, mas se opôs posteriormente à maneira como o governo de George W. Bush lidou com a ocupação do país.
Extrovertido, bom argumentador e mordaz orador, Joe Biden reúne os três requisitos que Barack Obama procura num companheiro na corrida eleitoral: está preparado para ser presidente, será capaz de ajudá-lo a governar e, sobretudo, tem idéias próprias.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Juventude brasileira aposta na música antiga


De: Livia Deodato, do Estado de São Paulo
Eles têm entre 19 e 33 anos e os seus programas favoritos alternam entre bater um bom papo acompanhado de comidas saborosas e assistir filmes, principalmente europeus, no cinema e na televisão de casa, quando alugados.

O que diferencia estes jovens de outros mortais da mesma idade não é simplesmente o facto de se dedicarem à música há pelo menos dez anos, mas, sim, de terem escolhido dentro dela um gênero em que não existem - ou são raros - registos de gravações sonoras históricas, textos que contextualizem as obras, fotografias e meras descrições de como produzir som em determinado instrumento. Estamos a falar da música antiga, terreno até bem pouco tempo atrás explorado por contáveis músicos brasileiros, mas que parece ganhar força graças ao crescente interesse de jovens como os da foto (acima).
As histórias variam um pouco por causa das escolhas de instrumentos que fizeram quando ainda eram crianças - para Raí Toffoletto, de 20 anos, por exemplo, foi muito mais fácil aproximar-se do cravo, uma vez que estudou piano desde pequeno; ou para Leonardo Takiy, também de 20 anos, que desde os 7 se dedica ao violão e passou a estudar alaúde há um ano. Mas o motivo que os levou a se embrenharem num tipo de música desconhecida, até mesmo entre os seus pares, parece se resumir a um só: o amor à primeira vista pelas músicas compostas essencialmente na Idade Média, no Renascimento e no Barroco.
Música dos séculos 17 e 18
"Encantei-me muito mais pela música barroca do que pelo instrumento em si, no meu caso, o cravo, que tem um mecanismo muito difícil: possui um controle digital muito fino e não responde de acordo com o peso que você aplica sobre as teclas, como no piano", diz Toffoletto. "É como uma harpa mecânica", compara o oboísta barroco Gustavo Henrique de Francisco, de 29 anos. "Ou um bandolim de teclado", acrescenta, aos risos, o violinista barroco André Costa, de 19 anos. Frases que eles soltam a brincar e que demonstram a capacidade que já adquiriram de fazer livres associações e seguir um dos fundamentos mais importantes do legado da música antiga - o de ir além dos tratados deixados por estudiosos ao longo de todos estes anos. "O nosso desafio é reconstruir a música feita nos séculos 17 e 18 partindo de documentos históricos, plantas de instrumentos com medidas certas, interpretações sobre os contextos em que os compositores viveram. Mas nunca vamos saber se ‘soamos’ como antigamente. Temos a vivência do século 20, 21", diz a dulcista (quem toca flauta doce) Giulia Tettamanti, de 24 anos. Por isso é que dizem que o estilo que alimentam axtualmente deve ser correctamente chamado de música historicamente orientada ou informada.
Daquela época, outro ponto que também os fascina é a liberdade que possuíam os intérpretes sobre quaisquer obras e que, no século 19, perdem esse poder para os compositores. "Não queremos só ser ‘macaquinhos de repetição’ do que está ali impresso na partitura. Nos preocupamo-nos em pesquisar tudo o que estava por trás daquelas músicas", alfineta Toffoletto, muito discretamente. "É uma paixão mais intelectualizada e mais visceral", opina o flautista Camilo Di Giorgi, de 33 anos. A visceralidade a que ele se refere diz respeito, inclusive, a quatro tipos de "humores", aos quais os compositores se submetiam durante o processo de produção: sanguíneo, colérico, fleugmático e melancólico. Tudo em prol de que os discursos soassem persuasivos. No livro O Discurso dos Sons, o autor Nikolas Harnoncourt indica que se antes a música "era movimento e vida, hoje é algo simplesmente belo" e "quanto mais nos esforçamos para compreender e apreender esta música, mais percebemos quanto ela ultrapassa a beleza e quanto ela nos perturba e nos inquieta pela diversidade da sua linguagem".
Atrás exactamente disso é que estão esses jovens, cujas actuações já estão a marcar presença em festivais que igualmente proliferam por todo o País - e onde também descobrem talentosos parceiros e... futuros amores. Há histórias como a de Gustavo e Renata Pereira, casados há dois anos e meio, que se conheceram na Oficina de Música de Curitiba, em 2000; como a de Giulia e Toffoletto, que namoram há pouco mais de três semanas, desde que o Festival de Música de Londrina terminou; ou como o amor de Nathália Domingos, de 24 anos, e André Costa, que também nasceu na Oficina de Curitiba, só que na edição realizada em janeiro deste ano. Nem eles imaginavam que a música antiga fosse surtir tanto efeito.
Luthier, o ofício de Roberto Holz

Curiosidade, paixão pela música, pela forma do instrumento, pelo som produzido por ele ou simplesmente a completa impossibilidade financeira de adquirir um, o que os força a construir os seus. Os luthiers brasileiros que hoje se dedicam à refinada arte de moldar caixas e cilindros, transformando-os em instrumentos com características próximas dos que existiram nos séculos 17 e 18, não vêm de uma linhagem familiar tradicional dedicada ao ofício, nem ao menos receberam a bênção da própria família. "Sofri resistência da minha mãe, que é italiana, e meu pai, alemão, que viam com maus olhos a minha mudança de área (vivia da arquitectura) e acreditavam que aquilo tudo seria uma regressão", diz Roberto Holz, de 58 anos, que fabricou a sua primeira flauta doce em 1984 por diversão. "Era um desafio muito grande na época, porque a gente não tinha referência, não tinha onde comprar ferramenta. Mas como houve demanda, isso acabou me impulsionando. Animei-me e pensei que, se eu conseguisse vencer os obstáculos iniciais, poderia viver disso. Deu certo", afirma ele.
Luciano Faria, de 33 anos, que há pouco mais de 10 anos também vem se dedicando à luteria em Pirassununga, compartilhou dessa odisséia para fabricar o seu primeiro alaúde, que demorou seis meses para ficar pronto: "Usei um formão, um serrote, um martelo e uma plaina bem pequena e ruim", relembra hoje, aos risos. A aproximação com o alaúde aconteceu pelo facto de ter-se dedicado, durante toda a infância e adolescência, ao seu descendente, o violão. Com tanta vontade de tocar e pouco dinheiro para comprar, brotou a necessidade de criar. Apesar das suas vendas terem triplicado no Brasil do ano passado até agora, Faria afirma que 90% da sua produção ainda é destinada ao exterior. "Eu consegui ganhar estabilidade", conta ele, que trabalha com apenas dois assistentes. O luthier nascido no Rio acrescenta que, se pudesse, viveria uma semana como músico e a seguinte como mágico fazedor de instrumentos, mesmo tendo a certeza de que os sete dias como intérprete "não pagariam as minhas contas".
O jovem músico Leonardo Takiy, de 20 anos, que será bacharel em violão pela Unesp no ano que vem, esperou cerca de um ano pelo seu alaúde, encomendado a Faria. O luthier explica que a construção não demora (leva apenas cerca de 10 dias), mas o problema é a fila de espera. "Dos 50 a 60 instrumentos que fabrico por ano, cerca de 17 são para o Brasil." O perfil dos seus compradores varia bastante - vai desde estudantes de música, passa por músicos experientes e chega até a senhores idosos fascinados pela beleza dos instrumentos, ou seja, os coleccionadores. O professor Ricardo Kanji, da Universidade Livre de Música, onde desde março do ano passado funciona um Núcleo de Música Antiga (do qual muitos dos jovens músicos entrevistados são integrantes, entre eles, Takiy), sente que o interesse pela música antiga tem crescido não só entre alunos de música, mas também entre o público em geral.
Kanji, que faz parte de uma geração à frente desses meninos, é um dos responsáveis pela inserção da formação profissional em música antiga no País, ao lado de diversos outros nomes, como a musicista de viola da gamba Kristina Augustin e a alaudista Silvana Scarinci. Movimento que começou, timidamente, no fim dos anos 50 com o audacioso maestro Roberto de Regina. Até bem pouco tempo atrás, coisa de 20 anos, eles não tinham outra opção a não ser estudar e se profissionalizar no exterior. "Agora, os interessados em música antiga no Brasil vão estudar fora depois de já terem recebido uma boa formação aqui. E tudo isso graças a um movimento que partiu das pessoas e não do governo", sentencia Kristina.
Uma volta ao passado que diz muito sobre o presente, por João Luiz Sampaio
Foi durante a digressão latino-americana do conjunto Les Arts Florissants, dedicado à pesquisa da música barroca. Pouco depois da meia-noite, o lobby de um hotel em Montevidéu foi inundado por canções de Gershwin. Depois do estranhamento, a confirmação - os mesmos músicos que horas antes haviam dedicado um concerto à música de Charpentier agora improvisavam e se divertiam com standards da música americana. No dia seguinte, perguntei ao maestro do grupo, o norte-americano William Christie, como unir o rigor da música historicamente informada com a liberdade do jazz. "E por que não?", disse.
A história revela um pouco das muitas facetas da corrente da música historicamente informada. Iniciado nos anos 50 e intensificado nos anos seguintes, o movimento significou a volta ao passado num momento em que a música contemporânea afastava os intérpretes. Essa volta era incondicional - o que interessava, acima de tudo, era recuperar as técnicas de interpretação da época em que as obras eram escritas. Autenticidade foi palavra de ordem e, de uma hora para outra, tocar Bach, Mozart e Charpentier com instrumentos modernos passou a soar como heresia.
Há um rigor subentendido nesse processo de pesquisa, em que o músico precisa se despir das técnicas, estilos e convenções da sua época e viver, ao menos musicalmente, em séculos passados. No entanto, estamos a falar de aproximações. Fazer música é fazer escolhas - e o estudo da história apresenta lacunas que precisam ser preenchidas por quem hoje olha para trás. No melhor dos mundos, essa volta ao passado acaba dizendo muito sobre a nossa própria época.

ATÉ QUANDO ESTE TIPO DE IMAGENS?

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José Saramago lança o seu novo livro A Viagem do Elefante

O escritor português José Saramago acaba de terminar o seu novo livro, A Viagem do Elefante, que conta a história real de uma viagem épica de um elefante asiático que, no Século 16, viajou de Lisboa para Viena.
"Por muito incongruente que possa parecer..." são as primeiras palavras de A Viagem do Elefante, uma idéia que Saramago carrega há mais de dez anos, quando viajou à Áustria e por acaso entrou num restaurante de Salzburgo chamado The Elephant (O Elefante). O Prêmio Nobel de Literatura respondeu às perguntas da Agência Efe em sua casa em Lanzarote (Ilhas Canárias), onde terminou o seu livro e já recuperado de uma doença respiratória que ameaçou a sua vida.
Mais de uma vez pensou que não chegaria a concluir a obra, que tem aproximadamente 240 páginas e que chegará no segundo semestre aos leitores das línguas portuguesa e espanhola. "Este conto, prefiro chamá-lo assim - melhor que romance -, é o que sempre pensei que deveria ser. A doença não mudou nada", diz Saramago, que afirmou que não deseja dramatizar "a situação do autor frustrado por algo mais forte que a sua própria vontade".
"Eu escrevi os meus três últimos livros na mais deplorável situação de saúde, nada favorável para sentimentos de alegria. Prefiro dizer: se você tem que escrever, escreverá", acrescenta.
A escrita do livro foi interrompida por causa da sua doença e, ao ouvi-lo relatar as suas sensações quando estava à beira da morte muitos se lembram do violoncelista protagonista do seu romance As Intermitências da Morte, embora acreditem que a realidade não imitou a ficção que ele próprio criou.
"As Intermitências da Morte é um romance cheio de humor e ironia, não me lembro de ter assumido a ameaça que espreita o meu violoncelista. É certo que já estava doente, mas consegui construir uma barreira entre o eu que escrevia e o eu que sofria", declarou Saramago.
O escritor português não só "construiu barreiras" entre a sua literatura e a sua vida, mas é capaz de se isolar de tudo o que lhe cerca, até ao ponto de escrever no seu computador portátil enquanto várias pessoas conversam no sofá da sala.
"Lembro que parte do romance Todos os Nomes foi escrita em casa. Enquanto os pedreiros faziam o seu trabalho e contavam piadas uns para os outros, eu, no quarto ao lado, separado apenas por uma lona plástica que servia de porta, continuava a construir as peripécias do meu personagem Dom José. Nunca os mandei se calarem. Eles estavam na sua, eu estava na minha", afirmou Saramago.
Segundo a sua tradutora e mulher, Pilar del Río, A Viagem Do Elefante é um livro no qual entram e saem personagens que estão nos manuais de história juntamente com personagens anônimos, pessoas vão se cruzando e compartilham perplexidades, esforços ou a harmoniosa alegria de um tecto.
Pilar, que também é presidente da Fundação Saramago, acrescenta que "a compaixão solidária atravessa a obra, a distingue e a significa".
Também fazem parte da mesma ironia, sarcasmo e humor, que o escritor emprega "para salvar a si próprio e para que o leitor possa penetrar no labirinto de humanidades em conflito sem ter de renunciar à sua condição indagadora de humano e de leitor". Se o livro contém alguma parábola, é algo que os leitores dirão, mas o autor revela que nesta nova obra não há personagens femininas com personalidade forte como Blimunda, de Memorial do Convento, ou a Mulher do Médico, de Ensaio Sobre a Cegueira.
A Viagem do Elefante foi concluído neste fim de semana e agora Saramago descansa e aproveita para ler Diário de um Ano Ruim, do escritor sul-africano J.M. Coetzee, também premiado com o Nobel, em 2003.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

João Gilberto compensa atraso e faz bis com 10 músicas

De: Jotabê Medeiros, Lauro Lisboa Garcia e Livia Deodato
João Gilberto foi generoso com o público de São Paulo que foi assistir ao seu concorrido show na noite desta quinta-feira, 14, no Auditório Ibirapuera.
Sem fazer reclamar do som ou do ar-condicionado, como bastas vezes tem acontecido, o cantor e violonista ícone da Bossa Nova compensou o longo atraso de mais de uma hora e meia do início da apresentação com um bis de 10 músicas.
Foram 30 canções ao todo. A última delas, Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Morais. João pediu desculpas pelo atraso, justificando-se com o cansaço da viagem de regresso de Nova Iorque, onde esteve recentemente.
O pedido de desculpas foi aceito com aplausos.
Um momento inusitado do show foi a homenagem que fez a Henry Maksoud, dono do Hotel Maksoud Plaza. "Ele inventou um hotel... é o castelo da hospitalidade. É tão lindo, aquela varanda...", divagou o baiano, que volta a apresentar-se nesta sexta-feira, 15, no Auditório Ibirapuera.
Lá fora, havia uma certa confusão com gente a chorar porque os seus nomes não estavam na lista de convidados do cantor. É que João Gilberto mandou avisar por meio da imprensa que queria ter na platéia amigos de São Paulo que ele há muito tempo não via. Muitos vieram. Um deles foi Álvaro de Moya, jornalista, escritor, produtor, ilustrador e director de cinema e televisão, que trabalhou com o cantor na TV Excelsior nos anos 60. Moya lembrou de quando o recebia no programa e se divertiu muito numa ocasião em que João e Orlando Silva (a quem ele imitava no início da carreira) se encontraram no programa. "Bibi Ferreira pediu para João imitar Orlando e ele imitou."
O poeta Galvão, dos Novos Baianos, foi outro desses convidados e trouxe a sua banda. "Não falei com ele esses dias, porque quando está perto de fazer show, é muito difícil encontrar João", disse. Galvão é um dos privilegiados a frequentar a intimidade do pai da bossa nova. "Ele toca pra mim no apartamento, estou acostumado a vê-lo a trabalhar nas canções, mas mesmo assim, toda vez que vou a show dele, sempre tem uma surpresa." No hall do Auditório figuravam ilustres, como Manuel Pires da Costa, presidente da Bienal, Roberto Civita, presidente do Grupo Abril, o publicitário Nizan Guanaes, o actor Wagner Moura e o produtor Nelson Motta.
Depois de uma breve apresentação de Homem de Melo, João Gilberto entrou no palco às 22h37, trazendo seu violão, bastante aplaudido. Sentou-se na cadeira de madeira que os contra-regras haviam trazido dez minutos antes, junto com um apoio para os pés, os dois microfones e um banquinho onde acomodaram uma toalha, uma garrafa de água e um copo.

Desculpas

O cantor começou o show às 22h38 pedindo desculpas pelo longo atraso. "Vocês me desculpem o atraso. Dizem que eu atraso, mas não atraso, não. É que tive de fazer uma viagem anteontem e cheguei atrasado", justificou. "Vocês me desculpem", repetiu. Em seguida, abriu o roteiro de canções com o clássico Aos Pés da Cruz, de Marino Pinto e Zé da Zilda. Perto do fim da música, para espanto geral, entrou o sinal sonoro de desligamento de um computador, provavelmente aquele utilizado antes para exibir a programação da casa.
E quem disse que show de João não tem surpresa? Pois foi o que aconteceu na segunda música, quando interpretou um bem-humorado e desconhecido samba que fala de uma "nega macumbeira" que "tem um 13 de ouro pendurado no pescoço" e "se vê um gato preto dá doce pra Cosme e Damião".
O primeiro clássico da bossa nova veio em seguida, Wave, de Tom Jobim. Foi quando surgiram projecções de imagens caleidoscópicas no telão ao fundo, algo não muito comum nos shows de João, que em seguida cantou Caminhos Cruzados (também de Jobim, com Newton Mendonça). Ao final da canção, agradeceu: "Obrigado. São Paulo, I love you."
Antes de interpretar Doralice, de Dorival Caymmi (a mais aplaudida até então), foi que João teceu loas a Henry Maksoud, elogiando o "castelo de hospitalidade" que é o hotel. "É tão lindo, aquela varanda." E continuou: "Me desculpem vocês, um beijo, Henry." Explicou também que a pulseira no punho esquerdo não era um enfeite, mas "um bracelete astrológico". Houve comentários de que o atraso não foi por conta de viagem nenhuma, mas que ele estava a jantar com Maksoud no hotel.
De todo modo, a espera compensou. Entre outros clássicos, ele ainda cantou Rosa Morena (Dorival Caymmi) e Desafinado (Tom Jobim/Vinicius de Moraes). Após 20 músicas, João Gilberto deixou o palco, mas retornou para o bis, presenteando o público com mais 10 canções e finalizando a apresentação, à 0h05, com Garota de Ipanema.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Fim de semana alucinante sob os efeitos do Mwaken Mwalo

"Já em Maputo e em plena 25 de Setembro, vejo o Ricardo Rangel a atrapalhar o intenso trânsito, dançando nu ao som de John Coltrane e a gritar: “O fusion de Jimmy Dludlu não é jazz, meus senhores”.

O leitor quer passar pela experiência? Nada mais fácil. A receita está aí.


Mas atenção que a “paulada” varia de pessoa para pessoa. Por exemplo: ao defunto Niquinha podia dar-se-lhe a andar de facão em punho a esquartejar todo o ser vivente que se lhe atravessasse o caminho e aí, então, teriamos toda a malta a gritar: Makwen Mwalo, o que é macua, significa “arranquem-lhe a faca”.



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